segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Conspirações

A possibilidade de perder uma eleição que já estava vencida no primeiro turno antes de as urnas se abrirem está levando a uma campanha extremamente agressiva por parte da candidata oficial Dilma Rousseff, e a que lideranças importantes do PT, como o governador eleito do Rio Grande do Sul Tarso Genro, já comecem a insinuar golpismos e a classificar uma eventual vitória tucana de “ilegítima”.

Com todas as pesquisas de opinião convergindo para o estreitamento da diferença entre os candidatos – a mais recente, do Datafolha, mantém a redução da diferença do primeiro para o segundo turno de 14 para 8 pontos – o comando da campanha petista sofreu uma intervenção branca, determinada pelo presidente Lula, que deu ao deputado federal Ciro Gomes, do PSB, e ao candidato petista derrotado para o governo, Aluizio Mercadante, plenos poderes para elevar o tom da campanha no rádio e televisão.

Também José Dirceu ampliou seu grau de influência nas decisões da campanha, e segundo informações é dele a orientação para que Dilma escolha com maior seletividade os debates de que participará nesse segundo turno.

Ontem o SBT anunciou o cancelamento do debate programado por “dificuldades de agenda dos candidatos”. O debate de amanhã na Rede TV/Folha está confirmado, mas ainda há dúvidas quanto ao da TV Record. Em 2006, o debate da Record no segundo turno não foi realizado, e a campanha tucana atribuiu o cancelamento a uma interferência da campanha petista.

A teoria da conspiração, que já surgira no primeiro turno quando começou a se consolidar a idéia de que a eleição poderia não ser resolvida no dia 3 de outubro, ressurgiu com a queda da diferença entre os dois candidatos, indicando que a dianteira de Dilma pode estar dentro do empate técnico.

Como as pesquisas erraram no primeiro turno, dando para Dilma uma votação maior do que as urnas revelaram, o empate parece ser o resultado que melhor espelha a situação atual.

O governador eleito do Rio Grande do Sul pintou com tintas fortes o quadro político atual, ao falar na noite de quinta-feira em uma reunião partidária em Porto Alegre.

Segundo ele, está havendo "uma campanha de golpismo político só semelhante aos eventos que ocorreram em 1964 para preparar as ofensivas" contra o governo estabelecido.

Sem esquecer-se de culpar a imprensa pelo clima de golpismo que denunciava, Tarso Genro não deixou por menos: avaliou que a situação pode "redundar em uma eleição ilegítima", na qual um candidato quer se eleger "com base na mentira, na inverdade, na calúnia e na difamação".

Esse Tarso Genro eleito governador que fala de golpismo nesses termos é o mesmo que, dias depois da reeleieção de Fernando Henrique em 1998, publicou um artigo pedindo seu "impeachment".

Ontem, depois que a pesquisa Datafolha mostrou uma estabilidade em relação ao primeiro levantamento do segundo turno, a direção petista comentou que seus levantamentos internos demonstram uma recuperação de Dilma.

O que significa uma admissão de que a candidatura petista esteve em queda em algum momento deste segundo turno.

Levantamentos internos da campanha de Serra indicam uma situação oposta, mais favorável ao candidato tucano, e apontam a agressividade dos programas eleitorais da adversária como a maior prova de que a tendência de estreitamento da diferença está se mantendo.

A campanha tucana decidiu também entrar no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com vários pedidos de direito de resposta aos programas de rádio e televisão dos petistas.

A análise feita na campanha tucana é que a propaganda petista está arriscando muito nas acusações, o que seria mais uma demonstração de que eles estão flertando com os limites da legislação eleitoral.

Um dos direitos de resposta será para o programa de ontem à noite, que acusa o então governador José Serra de ter mandado a polícia invadir a Universidade de São Paulo (USP) durante uma greve de professores.

Na verdade, foi a reitora da USP quem pediu na Justiça a reintegração de posse, e a polícia foi enviada para executar a ordem.

Também a insistência na acusação de que o ex-presidente da Agência Nacional do Petróleo (ANP) David Zilberstein quer privatizar o pré-sal é alvo de um pedido de resposta.

Zilberstein é identificado pela propaganda petista como “principal assessor da área energética” da campanha de Serra, quando na verdade ele não exerce nenhuma função.

Zilbertein já divulgou uma nota desmentindo Dilma e esclarecendo que ele apenas defende o sistema de concessão na exploração do petróleo, que foi implantado pelo governo Fernando Henrique, em vez da partilha que o governo Lula quer adotar na exploração do pré-sal.

Se concessão fosse igual a privatização, como acusam os petistas, então o governo Lula já “privatizou” várias áreas do pré-sal, que foram licitadas pelo sistema que estava em vigor até a mudança da legislação.

Há também a acusação de que Serra privatizou a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), quando a empresa foi privatizada no governo Itamar Franco, onde Serra não exerceu função.

Ao mesmo tempo, Dilma tentar se livrar do impasse em que está desde que o tema “descriminação do aborto” surgiu na campanha, tomando conta do debate político.

Ontem, depois de muito relutar, ela divulgou uma carta em que se diz “contra o aborto”, mas não nega diretamente que seja contra a “descriminação do aborto”, e deixa para o Congresso decisões sobre esse e outros temas polêmicos, apenas prometendo que, eleita presidente, não enviará nenhuma lei que seja “contra a família”.

É uma tentativa de encerrar uma discussão que tem prejudicado muito seu desempenho. O tom mais agressivo, a crítica de que o debate sobre o aborto foi provocado por setores atrasados da oposição, e a campanha centrada na acusação de que os tucanos entregam o patrimônio público para investidores privados, tudo isso faz parte de uma estratégia para recuperar a parte dos votos da esquerda partidária que foi para Marina Silva no primeiro turno.

Em 2006 deu certo.


Merval Pereira

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