quinta-feira, 22 de abril de 2010

A questão do socialismo

Escrito por Wladimir Pomar
13-Abr-2010

O programa petista de governo, mesmo que inclua algumas reformas estruturais, ainda ficará nos limites do capitalismo de características brasileiras. Isto se deve, em grande parte, ao fato objetivo de que no Brasil as forças produtivas sociais ainda não se desenvolveram plenamente e a luta de classes ainda não ganhou contornos suficientemente definidos.

Embora seja um país continental, com possibilidades de desenvolver quase todas as cadeias produtivas industriais necessárias ao atendimento das suas necessidades sociais, o Brasil ainda tem lacunas consideráveis. Por exemplo, é fraco na produção de máquinas-ferramentas, máquinas pesadas, componentes eletrônicos e outros produtos de média e alta tecnologia. Basta passar em revista a pauta do comércio externo para verificar o quanto o Brasil depende da importação desses e de outros bens de capital.

O Brasil também está atrasado no desenvolvimento das ciências e tecnologias como principais forças produtivas. Ele possui alguns setores avançados, como os de softwares específicos e de tecnologias de sondagem e exploração petrolífera de grande profundidade. No entanto, basta comparar a quantidade de patentes registradas pelo Brasil com os números de registros dos demais países emergentes para verificar o quanto estamos atrasados nas áreas que decidem o futuro do desenvolvimento. Portanto, o Brasil ainda tem um caminho relativamente longo no desenvolvimento das forças produtivas, antes que elas entrem em conflito inconciliável com as relações assalariadas de produção.

Por outro lado, a luta de classes no Brasil enveredou por um caminho institucional que tem permitido realizar uma certa harmonização entre os interesses contrários das classes populares e das classes dominantes. Mesmo contra a vontade, a burguesia se viu constrangida a correr o risco de deixar que partidos populares, como o PT e os partidos socialistas e comunistas, se tornassem instituições capazes de disputar eleitoralmente parte do Estado e governar diversos níveis da federação, inclusive o central.

Esta é uma situação política completamente diferente de todas as demais situações históricas vividas pelo povo brasileiro até 1989. É verdade que, em 1928, os comunistas e socialistas tentaram participar do processo eleitoral. E que, em 1946, os comunistas apresentaram candidatos à presidência, governos de estados e prefeituras. Entretanto, seus poucos prefeitos eleitos foram impedidos de tomar posse. Logo depois, em 1947, o PCB teve o registro cassado, foi jogado na clandestinidade e seus senadores, deputados e vereadores também tiveram seus mandatos cassados.

Infelizmente, tem gente que desconhece que, durante um século de República, o Brasil viveu apenas alguns poucos suspiros democráticos. A maior parte do tempo viveu sob diferentes formas ditatoriais. Primeiro, as ditaduras militares e civis da oligarquia dos coronéis do sertão da República Velha. Depois, a ditadura de transição de Vargas e a ditadura aberta do Estado Novo. Em pouco mais de dois anos, a democracia da Constituinte de 1946 foi substituída pelas ditaduras disfarçadas de Dutra e Getúlio. Sob Juscelino, Jânio e Jango, o Brasil viveu momentos instáveis de democracia. E, entre 1964 e 1984, uma ditadura militar aberta, embora mantendo um parlamento de fachada.

Assim, se compararmos a situação atual com todos os demais períodos históricos brasileiros, por mais que achemos que a democracia hoje existente ainda é parcial, restrita e insuficiente, será difícil não reconhecer que o Brasil nunca antes viveu um período democrático tão amplo como o atual. Esta é uma conquista do povo brasileiro, mas ela também trouxe problemas e desafios que os revolucionários de todos os matizes não supunham possíveis.

Diante deles, alguns se fazem de cegos e atacam os defeitos da situação atual sem pensar no que representam de avanços da luta democrática e popular. Outros acham que conquistaram o paraíso e se contentam com os limites existentes. E os que sabem que a luta de classes, mais cedo ou mais tarde, vai levar a crises diversas na harmonização dos contrários, ainda se encontram nas preliminares para traçar uma estratégia e táticas mais claras para a nova situação.

De qualquer modo, a realidade reside em que quanto mais o governo democrático e popular desenvolver as forças produtivas, isto é, as ciências, tecnologias, cadeias industriais, infra-estrutura de transportes, energia e comunicações e a capacidade educacional e técnica da força de trabalho, e quanto mais ampliar a presença da propriedade estatal e pública na sociedade brasileira, mais estará criando condições para transformações socialistas, mesmo que não tenha plena consciência disso.

É evidente que isso não basta para implantar o socialismo. Nem significa necessariamente a passagem natural de uma formação econômico-social para outra. Nós vimos, na presente crise mundial do capitalismo, como os governos que representam o capital foram rápidos em adotar a propriedade estatal e a propriedade pública para salvar a propriedade privada. Portanto, a questão chave não está apenas na existência de formas "socializadas" de propriedade. Está, fundamentalmente, no caráter do poder político, e se este utiliza as formas socializadas em benefício dos trabalhadores e das camadas populares, ou em benefício dos capitalistas.

Isto deverá obrigar os socialistas, se quiserem ter mais clareza sobre a luta do futuro, a discutirem mais seriamente não apenas os problemas do desenvolvimento econômico e social, mas também os problemas relacionados com a democratização do poder político, ou do Estado. Talvez a disputa eleitoral de 2010 seja um momento privilegiado para dar início ao tratamento dessa questão.

Wladimir Pomar é escritor e analista político.

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