Na segunda-feira da semana passada participei de um encontro em Santiago para comemorar os 60 anos da Cepal. Na ocasião, Alain Touraine fez uma conferência admirável, na qual reviu a contribuição de Raul Prebisch e seus seguidores para a compreensão da América Latina. Sumariou os avanços obtidos na região nas áreas econômica, social e política, com destaque para os avanços havidos no Chile e no Brasil graças, segundo o conferencista, à continuidade de administrações social-democratas. Entretanto, o que mais chamou minha atenção foi a ênfase posta na contribuição da Cepal dos anos 50 e 60, com as necessárias adaptações posteriores, para “inventar a América Latina”.
A busca de convergência de opiniões sobre as formas de acelerar o crescimento econômico e a própria noção de que haveria um caminho - talvez um destino - comum se tornaram idéias-força. O debate intelectual e político da região se organizava a favor ou contra elas. Nos dias que correm, de globalização econômica e de fragmentação de interesses, é difícil crer que os caminhos dos países continuem convergentes ou que sejam os mesmos. A própria ênfase no “desenvolvimento para dentro” precisa ser ampliada para tomar em conta o que Touraine sublinhou: a perspectiva correta para entender os processos em marcha na América Latina não dispensa o marco global.
É inegável, porém, que a invenção do futuro continua a ser tarefa instigante a desafiar intelectuais, políticos e homens práticos de cada país. No caso do Brasil, a economia assumiu tais proporções e se integra tão velozmente ao sistema global que as ridículas controvérsias do passado desapareceram da cena, pelo menos no que diz respeito às instituições e às políticas econômicas. Bastam poucos exemplos: ninguém se apercebeu na área política de que o governo Lula rompeu o monopólio dos seguros que era exercido pelo Instituto de Resseguros (IRB). No governo passado este mesmo processo foi emperrado por enorme gritaria e uma série de medidas judiciais movidas pelo PT e adjacências alegando, com os mais atrasados argumentos, que a quebra daquele monopólio feria o interesse nacional... Mais expressiva ainda é a justa alegria presidencial para comemorar o fato de que uma empresa de avaliação de riscos classificou o País no primeiro degrau da caminhada para considerar seguros os investimentos feitos aqui (o investment grade). No arrazoado da empresa avaliadora há referências explícitas a que isso se deve às políticas básicas (metas inflacionárias, câmbio flutuante e Lei de Responsabilidade Fiscal) postas em marcha pelo governo passado e continuadas no atual, depois de uma transição de mando civilizada e ordenada.
Se na área econômica inventamos um caminho que continua a dar alento ao País e vem sendo ampliado pelo atual governo, não é o caso de se perguntar, numa arremetida para o futuro, se não terá chegado a hora para buscar convergências nacionais que nos levem mais depressa a um futuro melhor? Ou nos contentaremos a ver o mercado financeiro vibrante e uma economia real que começa a se mover, embora ainda encontre obstáculos para se firmar no quadro da globalização competitiva, bloqueados pela falta de coesão na sociedade, pela violência, pela impunidade, pela corrupção, pelo descrédito dos partidos e tudo o mais?
O descompasso que existe hoje entre o mercado e a Nação, e mesmo entre a opinião pública (dos que se informam, criticam e tomam posição) e a opinião nacional (dos que vêm seus níveis de vida melhorarem a despeito das carências na escola, no hospital, na delegacia, no tribunal e onde mais seja), bem pode ser diminuído, se não superado, se houver convergência política, um certo consenso, em áreas críticas situadas mais além do mercado, cravadas na vida cotidiana, na sociedade, ou na vida política, nas instituições. Houve tempo em que era moda buscar-se um “Pacto de Moncloa”. A moda dos pactos passou, mas não a necessidade de convergências básicas em torno de algumas metas que orientem o futuro, embora não impliquem necessariamente alianças eleitorais entre partidos.
Só para exemplificar: não seria possível um consenso mínimo nas regras eleitorais para evitar que cada novo governo fique prisioneiro do “fisiologismo de plantão”, correndo o risco, como agora, de tomar gosto por ele? Não seria possível definir uma política energética comum, tendo em vista as potencialidades do etanol e as descobertas de consideráveis reservas de petróleo? Não poderíamos buscar consenso sobre que taxação cabe às novas explorações, que não sufoque o apetite por investir, mas assegure recursos para áreas críticas, mesmo sem a perfeição norueguesa de pensar no uso pelas gerações futuras de um “fundo de petróleo”? Não daria para abrir a discussão nacional sobre as áreas prioritárias para utilizar os ganhos petrolíferos futuros (educação, Previdência?). E a imperiosa necessidade de aumentar o profissionalismo nas carreiras burocráticas vai continuar postergada, com cada vez mais militantes ocupando cargos de confiança? E até quando as agências regulatórias continuarão a fazer parte do butim político? Não dá mesmo para ter regras mais claras que organizem as Parcerias Público-Privadas nas obras de infra-estrutura? Ao mesmo tempo, não pode haver maior rapidez nas concessões de geração de energia? Finalmente, para a lista não ser longa: não se pode buscar uma coalizão ao redor de pontos mínimos para uma reforma tributária?
Isso tudo requererá, ademais, que se ofereça um modelo de sociedade futura com algumas garantias básicas para as pessoas: segurança pública efetiva, acesso à escolaridade e à Justiça, fim da impunidade, universalização da Previdência, com o término das escandalosas desigualdades de remuneração entre categorias de pensionistas, e assim por diante.
Sem falar no fim dos abusos cometidos por uma crosta sindical que usa o dinheiro público para promoção própria, sem qualquer benefício para a massa de trabalhadores.
Para tanto é preciso virtude e desprendimento. Não sufocar no nascedouro, como ainda agora em Belo Horizonte, qualquer entendimento entre forças do mesmo campo, nem alentar manobras continuístas e muito menos encobrir práticas policialescas que nem o regime militar ousou para desmoralizar os adversários. Será que existe algum fiapo de realismo em se propor que, apesar de tudo, não renunciemos a pensar grande, a inventar o futuro? Não sei, mas com ou sem realismo, se não se alenta a esperança, como produzir uma sociedade cujos cimentos não se apóiem apenas no mercado e na demagogia?
Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, foi presidente da República.
A busca de convergência de opiniões sobre as formas de acelerar o crescimento econômico e a própria noção de que haveria um caminho - talvez um destino - comum se tornaram idéias-força. O debate intelectual e político da região se organizava a favor ou contra elas. Nos dias que correm, de globalização econômica e de fragmentação de interesses, é difícil crer que os caminhos dos países continuem convergentes ou que sejam os mesmos. A própria ênfase no “desenvolvimento para dentro” precisa ser ampliada para tomar em conta o que Touraine sublinhou: a perspectiva correta para entender os processos em marcha na América Latina não dispensa o marco global.
É inegável, porém, que a invenção do futuro continua a ser tarefa instigante a desafiar intelectuais, políticos e homens práticos de cada país. No caso do Brasil, a economia assumiu tais proporções e se integra tão velozmente ao sistema global que as ridículas controvérsias do passado desapareceram da cena, pelo menos no que diz respeito às instituições e às políticas econômicas. Bastam poucos exemplos: ninguém se apercebeu na área política de que o governo Lula rompeu o monopólio dos seguros que era exercido pelo Instituto de Resseguros (IRB). No governo passado este mesmo processo foi emperrado por enorme gritaria e uma série de medidas judiciais movidas pelo PT e adjacências alegando, com os mais atrasados argumentos, que a quebra daquele monopólio feria o interesse nacional... Mais expressiva ainda é a justa alegria presidencial para comemorar o fato de que uma empresa de avaliação de riscos classificou o País no primeiro degrau da caminhada para considerar seguros os investimentos feitos aqui (o investment grade). No arrazoado da empresa avaliadora há referências explícitas a que isso se deve às políticas básicas (metas inflacionárias, câmbio flutuante e Lei de Responsabilidade Fiscal) postas em marcha pelo governo passado e continuadas no atual, depois de uma transição de mando civilizada e ordenada.
Se na área econômica inventamos um caminho que continua a dar alento ao País e vem sendo ampliado pelo atual governo, não é o caso de se perguntar, numa arremetida para o futuro, se não terá chegado a hora para buscar convergências nacionais que nos levem mais depressa a um futuro melhor? Ou nos contentaremos a ver o mercado financeiro vibrante e uma economia real que começa a se mover, embora ainda encontre obstáculos para se firmar no quadro da globalização competitiva, bloqueados pela falta de coesão na sociedade, pela violência, pela impunidade, pela corrupção, pelo descrédito dos partidos e tudo o mais?
O descompasso que existe hoje entre o mercado e a Nação, e mesmo entre a opinião pública (dos que se informam, criticam e tomam posição) e a opinião nacional (dos que vêm seus níveis de vida melhorarem a despeito das carências na escola, no hospital, na delegacia, no tribunal e onde mais seja), bem pode ser diminuído, se não superado, se houver convergência política, um certo consenso, em áreas críticas situadas mais além do mercado, cravadas na vida cotidiana, na sociedade, ou na vida política, nas instituições. Houve tempo em que era moda buscar-se um “Pacto de Moncloa”. A moda dos pactos passou, mas não a necessidade de convergências básicas em torno de algumas metas que orientem o futuro, embora não impliquem necessariamente alianças eleitorais entre partidos.
Só para exemplificar: não seria possível um consenso mínimo nas regras eleitorais para evitar que cada novo governo fique prisioneiro do “fisiologismo de plantão”, correndo o risco, como agora, de tomar gosto por ele? Não seria possível definir uma política energética comum, tendo em vista as potencialidades do etanol e as descobertas de consideráveis reservas de petróleo? Não poderíamos buscar consenso sobre que taxação cabe às novas explorações, que não sufoque o apetite por investir, mas assegure recursos para áreas críticas, mesmo sem a perfeição norueguesa de pensar no uso pelas gerações futuras de um “fundo de petróleo”? Não daria para abrir a discussão nacional sobre as áreas prioritárias para utilizar os ganhos petrolíferos futuros (educação, Previdência?). E a imperiosa necessidade de aumentar o profissionalismo nas carreiras burocráticas vai continuar postergada, com cada vez mais militantes ocupando cargos de confiança? E até quando as agências regulatórias continuarão a fazer parte do butim político? Não dá mesmo para ter regras mais claras que organizem as Parcerias Público-Privadas nas obras de infra-estrutura? Ao mesmo tempo, não pode haver maior rapidez nas concessões de geração de energia? Finalmente, para a lista não ser longa: não se pode buscar uma coalizão ao redor de pontos mínimos para uma reforma tributária?
Isso tudo requererá, ademais, que se ofereça um modelo de sociedade futura com algumas garantias básicas para as pessoas: segurança pública efetiva, acesso à escolaridade e à Justiça, fim da impunidade, universalização da Previdência, com o término das escandalosas desigualdades de remuneração entre categorias de pensionistas, e assim por diante.
Sem falar no fim dos abusos cometidos por uma crosta sindical que usa o dinheiro público para promoção própria, sem qualquer benefício para a massa de trabalhadores.
Para tanto é preciso virtude e desprendimento. Não sufocar no nascedouro, como ainda agora em Belo Horizonte, qualquer entendimento entre forças do mesmo campo, nem alentar manobras continuístas e muito menos encobrir práticas policialescas que nem o regime militar ousou para desmoralizar os adversários. Será que existe algum fiapo de realismo em se propor que, apesar de tudo, não renunciemos a pensar grande, a inventar o futuro? Não sei, mas com ou sem realismo, se não se alenta a esperança, como produzir uma sociedade cujos cimentos não se apóiem apenas no mercado e na demagogia?
Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, foi presidente da República.
Um comentário:
Porque ele não escreveu que comprou a reeleição dele em 98? O fato é que no Brasil ninguém quer trabalhar pelo bem da nação só se quer é o PUDER! Olha o que deu a privatização das TELES, temos agora 70 % do mercado concentrado nas mão de uma empresa privada.
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