sábado, 3 de maio de 2008

Em torno do terceiro mandato

000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000A popularidade dos governantes, além de sujeita a oscilações, não está acima das leis, nem lhes dá lastro moral para revogá-la. A idéia de um terceiro mandato para Lula em face de alta nas pesquisas de opinião pública abre precedentes perigosos.

Exemplo: cada governante que se empossa passa a sentir-se instado a mudar as regras do jogo e para tanto passa a investir pesadamente em propaganda. Democracia supõe transitoriedade dos mandatos e alternância no poder.

Caso contrário, tem-se um paradoxo: a república imperial, entronizando indefinidamente um presidente-monarca. Foi o que sonhou para si Hugo Chavez, com êxito parcial.

Lula diz que não quer um terceiro mandato, mas alguns de seus mais próximos colaboradores sugerem claramente o contrário. Ele próprio, às vezes, assume tom ambíguo, aparentemente para conferir a receptividade à tese. Na segunda-feira passada, por exemplo, em Guarulhos (SP), considerou que “ninguém consegue fazer tudo em oito, nove ou dez anos”.

Claro. Mas isso não significa que tenha de permanecer indefinidamente no poder até realizar “tudo”. O tudo é missão de todos, a ser cumprida no tempo, no ritmo possível. O governante que se julga insubstituível está apenas mal-informado.

Repete-se agora o cenário que levou à aprovação da emenda da reeleição, o grande equívoco político do governo FHC. Também ele embriagou-se com a popularidade decorrente do Plano Real.

A idéia de mais um mandato começou a ser soprada por auxiliares próximos, como Sérgio Motta, que dizia que o projeto político do PSDB era ficar uns vinte anos no poder.

FHC inicialmente era evasivo quando abordado. Chegou a dizer que quatro anos eram suficientes para fazer muita coisa. Mas, ao mesmo tempo em que dizia coisas assim, os colaboradores insistiam em propagar as vantagens de mais um mandato.

O resto é história: as denúncias que cercaram a aprovação da emenda e o desgaste pessoal e político daí decorrentes. Lula, agora, repete o script. Ele, que se opôs à reeleição, que considerava uma excrescência, em vez de propor sua revogação ao tomar posse, a ela aderiu, alegando “circunstâncias políticas”.

Esse, aliás, é o grande e indefectível argumento dos políticos quando já não há argumentos: o império das circunstâncias. Explica e “justifica” tudo. Justificará também, se houver, uma segunda reeleição. Convém, porém, lembrar um detalhe: a lei.

No Estado democrático de Direito, ela é o referencial máximo. Se não é boa, pode – e deve - ser mudada. Para tanto, há o Congresso Nacional, com seu poder reformista.

Mas há cláusulas pétreas, princípios intocáveis, que até mesmo uma Constituinte originária (que tudo pode) deve preservar. No caso da democracia, a periodicidade dos mandatos e a alternância no poder. Sem isso, ela deixa de existir.

Se um terceiro mandato presidencial consecutivo é bom como princípio, pode ser adotado, mas não pode beneficiar quem está no poder. O mesmo se aplica à reeleição de Fernando Henrique. Ele, do ponto de vista ético, não poderia ter sido beneficiário de uma mudança nas regras do jogo... durante o jogo.

Legisla-se para situações futuras, tendo em vista o aprimoramento institucional. De outra forma, o que se tem é casuísmo puro. Como a reeleição – e agora a re-reeleição.

Sempre que a popularidade foi invocada para legitimar o que não é legítimo, o ser humano saiu derrotado. Não é preciso ir longe. Basta constatar que os grandes tiranos do século passado, que provocaram conflitos de âmbito mundial, com muitos milhões de vítimas, eram popularíssimos. Hitler, Stalin, Mussolini. Etc. etc.
Ruy Fabiano

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