domingo, 13 de abril de 2008

Paradoxos do terceiro mandato

Aldo Fornazieri

Em política, como já mostraram inúmeros acontecimentos, não existe linha reta. A natureza da política consiste em ser mesmo paradoxal. Partindo dessa premissa, o retorno da tese do terceiro mandato é, ao mesmo tempo, um incômodo e um conforto para o presidente Lula. A tese voltou com força. Relançada pelo vice-presidente, José Alencar, patrocinada pelo deputado Devanir Ribeiro (PT-SP), repetida por prefeitos, deputados e vereadores, até mesmo entre partidos da oposição, não convém ignorá-la.

Para Lula a proposta de uma segunda reeleição é um desconforto porque é conhecida a sua reiterada posição de defender apenas um mandato, sem direito à reeleição. Lula foi um duro crítico quando o então presidente Fernando Henrique Cardoso fez aprovar um casuísmo para estabelecer o direito a mais um mandato para ele mesmo. O presidente repetiria Fernando Henrique, num casuísmo com a mesma natureza, se requeresse ou patrocinasse o direito a mais um mandato consecutivo.

Lula, no entanto, não precisa patrocinar a iniciativa da busca de mais um mandato. Há uma legião de políticos dispostos a fazê-lo por ele. Ao afirmar que romperá até mesmo com o PT se o partido pretender obrigá-lo a mais um mandato, o presidente está no papel dele, buscando reafirmar a coerência de suas teses.

Defender mais um mandato para um presidente que chega a ter mais de 70% de avaliação positiva traz evidentes benefícios políticos e eleitorais a quem monta nessa proposta. Ter um terceiro mandato defendido por inúmeras vozes traz notórios benefícios políticos ao presidente Lula. Esses benefícios ficam ainda mais avolumados se o presidente recusar a prebenda que lhe oferecem, dando uma demonstração de humildade, coerência e desapego ao poder.

Os benefícios serão ainda maiores se a oposição morder a isca, cair na armadilha e ficar batendo contra o terceiro mandato. Estará ocupada com um nada, com uma não-realidade política, enquanto o governo navega num oceano calmo, sem enfrentar os percalços de uma oposição efetiva - seja porque ela se ocupa do nada, seja porque ela empunha os esfarrapados estandartes de um embate moralista improdutivo.

No projeto de sua autodanificação, a oposição tem a ajuda de uma poderosa armada: analistas e colunistas políticos que a munem com as teses desidratadas de substância política e programática. Na medida em que não estamos mais numa era de conspirações militares, como foi no passado, quando o embate político se decidia pela arbitragem militar, a oposição moralista se tornou inócua e uma espécie de bênção para o governo. As pesquisas mostram que parte minoritária da sociedade julga que a corrupção é um dos principais problemas do País. Ao conferir-lhe centralidade no combate ao governo, a oposição faz política para uma minoria já oposicionista e não consegue ganhar dividendos políticos e eleitorais. O embate moral só tem alguma eficácia quando secunda uma disputa em torno de programas e projetos.

Nessa história de terceiro mandato, a oposição está perdida num labirinto sem saber em quem atirar. Não consegue enfraquecer Lula, porque o presidente a secunda no repúdio ao terceiro mandato. Não consegue alvejar o PT, porque o partido também não alimenta a tese. E não consegue abater os propositores da idéia porque estes, individualmente, não expressam uma força política real.

A circulação da tese do terceiro mandato traz ainda um outro benefício a Lula. Ela funciona como uma espécie de bode na sala quando o assunto é 2010. Enquanto o bode é acossado, o presidente trabalha no sossego do silêncio, à sombra de sua imensa popularidade, as alternativas reais à sua sucessão.

Com sua astúcia política, Lula joga com vários curingas, num jogo que está sendo permanentemente embaralhado para propositalmente confundir. A arte da boa simulação e dissimulação expressa uma das melhores qualidades políticas, como já foi ensinado no passado. Ela representa a posse da virtù política pelo governante, pois a boa política sempre será feita também com a astúcia.

Os curingas de Lula são uma meia dúzia de políticos emergentes, destacando-se Aécio Neves, Ciro Gomes, Sérgio Cabral, Dilma Rousseff. Se Lula conseguir fazer um sucessor que agregue grande força política e social, estará aberto o caminho para a redefinição do quadro partidário do País e a constituição de um projeto de continuidade alternada no poder que dure alguns bons anos.

Mesmo auferindo dividendos políticos com a circulação da tese do terceiro mandato, Lula, de fato, não tem por que desejá-lo. Não ganharia nada com isso. Poderá e deverá terminar o segundo mandato com louvor, ladeado pela boa fortuna por ter sabido dominá-la pela sua virtù, pelas suas escolhas e decisões governamentais. Além disso, mudar as regras do jogo democrático enquanto o jogo está sendo jogado sempre é perigoso e representa um ato não-democrático.

Se o presidente aceitasse o terceiro mandato, passaria à História como beneficiário de um casuísmo. Lula tem a extraordinária capacidade de unir e agregar politicamente. Mas deve saber que o tempo não é garantia de nada. Ao contrário, o tempo costuma erodir as glórias do passado e do presente se o agente persistir no mesmo caminho. Não vale a pena pôr em risco o capital político e a biografia acumulados nos dois mandatos. Como bom tirador de ditos populares, Lula deve saber também que alguns deles, em política, devem ser lidos de forma invertida. Por isso, deve saber que depois da bonança pode vir a tempestade. A prudência recomenda que guarde o tesouro político acumulado e o reproduza de outras formas que não sejam um terceiro mandato.

Aldo Fornazieri, doutor em Ciência Política, é diretor acadêmico da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP)

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