terça-feira, 4 de março de 2008

O Brasil de calças curtas

Coluna (Nas entrelinhas) publicada hohe (04/03/2008) no Correio Braziliense. A guerra implacável do presidente Uribe contra o inimigo interno serve também para Washington manter a pressão militar sobre a Venezuela, sem cujo petróleo os americanos enfrentariam problemas gravíssimos
A escalada de tensões entre a Colômbia e seus vizinhos, após a violação das fronteiras equatorianas por militares colombianos em ação contra as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), cria um cenário em que fica exposto, com tintas berrantes, o produto da incúria dos recentes governos brasileiros em relação à defesa nacional. Anos de desleixo e de problemas empurrados com a barriga deram nisto: o Brasil está desequipado material e doutrinariamente para cumprir suas naturais atribuições de potência regional.O caso da renovação da frota de caças da Força Aérea Brasileira (FAB) é emblemático. O assunto era para ter sido decidido ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso, mas a concorrência acabou ficando para a administração de Luiz Inácio Lula da Silva. Passados cinco anos de gestão petista, nada foi resolvido. A frota de caças continua em estado de sucata, sem luz no fim do túnel. E não estamos falando de nada estrondoso. Seriam duas dúzias de aviões novos, um investimento de menos de US$ 1 bilhão.Preferiu-se, porém, a gambiarra: comprar aviões franceses usados, uma solução de emergência para “acalmar” a FAB. Como se a questão se resumisse ao que fazer para evitar maus humores na caserna. Agora, com a porteira arrombada, corre-se atrás do prejuízo. Recentemente, o ministro da Defesa executou um périplo europeu para alavancar parcerias que desatolem a indústria bélica nacional e acelerem o reequipamento da Forças Armadas. Aguardam-se os resultados práticos do giro ministerial.Não custa ser otimista. Quem sabe o novo ministro da Defesa não convence o presidente da República a investir na FAB pelo menos o mesmo tanto que a turma do governo gasta em passagens e diárias?O fato é que o Brasil defronta-se nos últimos tempos com uma realidade para a qual não está preparado. Na nossa fronteira norte, duas nações armam-se em defesa de seus próprios interesses estratégicos. A Colômbia transforma-se progressivamente num braço militar dos Estados Unidos na transição entre as Américas Central e do Sul. A guerra implacável do presidente Álvaro Uribe contra o inimigo interno serve também para Washington manter a pressão militar sobre a Venezuela de Hugo Chávez, sem cujo petróleo os americanos enfrentariam problemas econômicos gravíssimos.Já Chávez, sabedor de que a guerra civil colombiana tem potencial para gerar fatos e pretextos que podem desencadear uma agressão americano-colombiana a seu país, vem se empenhando por uma solução política pacífica no vizinho. Solução que naturalmente desagrada a Uribe, cujo poder interno repousa cada vez mais no tripé formado pelos militares, pelos paramilitares de direita e pelos próprios Estados Unidos. Sem esquecer que uma vitória decisiva contra as Farc daria o impulso necessário para o presidente reformar a Constituição e poder pleitear um terceiro mandato consecutivo, como é desejo dele.Diante dessa ameaça, Chávez acelerou nos últimos anos a substituição de equipamento bélico americano por similares russos, o que agudizou ainda mais o desconforto de Washington. Ainda que tenham sido os próprios americanos a fornecer a justificativa de que o venezuelano necessitava, quando passaram a recusar reposição de peças e assistência técnica ao material estadunidense tradicionalmente empregado pelas Forças Armadas da Venezuela.E o problema não está circunscrito ao cone norte do continente. Ao pé dos Andes, bem na fronteira com o Brasil, grupos secessionistas com apoio nem tão velado assim dos Estados Unidos impulsionam movimentos separatistas em território da Bolívia, na tentativa de abocanhar as regiões mais ricas do país e isolar (se necessário derrubar) o presidente Evo Morales.A tudo isso o Brasil assiste de dedos cruzados e coração sobressaltado, emitindo de tempos em tempos declarações genéricas e apelos piedosos pelo entendimento entre as partes. É muito pouco para quem pleiteia insistentemente uma cadeira fixa no Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Atualização, às 14:43 - A indigência da (não) presença brasileira na região está bem descrita em reportagem publicada hoje na Folha Online (Exército acompanha desdobramentos do conflito entre Colômbia, Venezuela e Equador).
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