quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

A arte de falar sozinho

Escrito por Gabriel Perissé
28-Nov-2007


Observem. Pelo menos na cidade de São Paulo tenho visto muitas pessoas falando sozinhas. Não deve ser fenômeno apenas desta cidade de correrias sem destino. Talvez não seja fenômeno exclusivo de grandes cidades. Talvez seja fenômeno mundial.

Rubem Braga, em alguma crônica, escreveu que Paris era indiscutivelmente uma boa cidade para se falar sozinho na rua, mesmo em português. Toda rua é palco para monólogos com ou sem audiência atenta.

Sempre houve pessoas falando sozinhas na rua, gesticulando, olhando o infinito. Nem sempre é loucura. Ou nunca é loucura. Ou então somos todos loucos, porque todos falam sozinhos. Pensar é falar consigo mesmo. Dialogar com outras vozes habitantes em nós. Somos legião. Moram em nós outras vozes, com as quais concordamos ou discordamos o tempo todo.

Aliás, há pessoas que, até quando falam com alguém, sozinhas estão falando, porque não estão realmente falando com o outro. Estão apenas falando. Falando consigo mesmas. Não querem ser compreendidas ou rejeitadas. Querem falar porque precisam falar. O outro poderia ser uma parede. Poderia ser um espelho.

Há pessoas que conversam com objetos, outra forma de falar sozinhas. Há pessoas que dirigem palavras ao computador. Xingam o computador. Pedem que ele não trave. Pedem que ele colabore.

Rezar é falar sozinho? Sonhar é falar sozinho? Cantarolar uma música é falar sozinho? Falar sozinho é conversar com o diabo?

Também falam sozinhos aqueles que escrevem. O leitor não está ali. Falamos sozinhos, ou com as palavras conversamos. E o leitor, depois, ao ler o texto, também está falando sozinho. O autor não está ali, apenas a sua sombra, o eco, a imagem, a lembrança, a palavra.

José Angelo Gaiarsa, no livro As vozes da consciência, de 1991, afirmava algo insólito: “a finalidade última do homem é falar sozinho”. Uma frase talvez ridícula, pensava o próprio autor. Mas essa frase algo me diz. Converso sozinho com a minha consciência, e a minha consciência conta-me coisas.

Falar sozinho não é egoísmo, não é idiossincrasia, não é problema. É solução. É saudável introspecção. Falando de mim para mim, eu saio de fora para dentro. Saio da dispersão, entro em contato com esse estranho eu que eu sou.

O poeta português José Gomes Ferreira disse tudo: “Que o primeiro poeta que nunca falou sozinho pelas ruas se levante e me atire a primeira estrela!”.


Gabriel Perissé é doutor em Educação pela USP e escritor.
Web Site: http://www.perisse.com.br/

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