A unanimidade idiota
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Um dos fundamentos da democracia é o convívio pacífico dos divergentes, o estabelecimento do contraditório. Prevalece a maioria, que governa, mas a minoria tem seu papel, tão fundamental quanto o daquela – e que é exatamente o de fiscalizá-la.
O presidente Lula, no entanto, segundo disse na quinta-feira, a uma platéia de 16 governadores recém-eleitos, está empenhado em “provar que é possível governar o país de forma diferente”. E aí, em tom de apelo, explicou como: que seus adversários deixem para lhe fazer oposição em 2010, ano em que sua sucessão estará novamente sendo disputada nas urnas. Ou seja, quer governar em uníssono.
Nem mesmo o regime militar, nos mais espessos anos do AI-5, foi tão explícito. A oposição naquela época, ainda que minúscula e intimidada, lá estava e, na primeira brecha que se abriu – as eleições de 1974 -, ressurgiu, vibrante, implacável. Lula é fruto da democracia.
Recentemente, chegou a declarar, com absoluta razão que é resultado da liberdade de imprensa – a mesma imprensa a que ele não cansa de atribuir os problemas que tem. E aí tem também razão.
A imprensa causa mesmo muitos problemas, sobretudo a quem está no poder: faz barulho, denuncia, acerta e erra, erra e acerta. Mas nenhum dos problemas que causa é tão grande quanto os que consegue evitar no exercício de sua sagrada turbulência. E assim é também a democracia: regime barulhento, trabalhoso, eventualmente caótico – o pior dos regimes, segundo Churchill, excetuados, naturalmente, todos os outros. Lula tem o gosto – e o talento – da negociação política.
Desenvolveu-o nos tempos em que exerceu a liderança sindical e sentava-se à mesa com os companheiros e, depois, com os patrões. Aprendeu a exigir, transigir, propor, contrapropor, blefar, encenar, enfim, a dominar todo o elenco de gestos coreográficos que envolvem a negociação. Vale-se desses recursos na presente montagem ministerial.
Percebe-se que o faz com gosto. Seu desgosto reserva-o para as críticas, as cobranças, inerentes – e indispensáveis – à democracia. O paradoxo está em que foi o exercício obstinado da crítica e da cobrança – freqüentemente exacerbada, eventualmente injusta – sobre sucessivos governos que o levou ao poder.
Poucos partidos, na história republicana brasileira, exerceram a crítica e a vigilância políticas de forma tão implacável e moralista quanto o PT. Talvez só a falecida UDN, braço civil do movimento militar de 64.
Tal qual sua congênere, o PT mostra aversão ao contraditório. Lula o disse com todas as letras. Já o havia dito na entrevista dada após a proclamação de sua reeleição. Disse então que não havia mais adversários, que o adversário, a partir daquele momento, era a exclusão social, a pobreza. Soou magnânimo, superior. Foi aplaudido.
Eis, porém, que o esclarecimento vem agora. Não há magnanimidade alguma. Lula apenas não quer oposição. Só a admite nas campanhas eleitorais. Jamais durante o exercício do mandato. Que o deixem trabalhar, como já pedia o slogan de sua campanha eleitoral.
Ofereceu, por isso mesmo, há dias, carona a um dos mais veementes críticos de sua performance governativa, o senador tucano Arthur Virgílio (AM), numa viagem a bordo do jato presidencial, ocasião em que lhe pediu apoio – a ele e a seu partido.
Ora, o maior (e único) apoio que a oposição, qualquer oposição, pode dar a um governo – qualquer governo – é exercendo o que lhe cabe: a oposição. O eleitor, quando elege um governante, elege simultaneamente quem lhe fará oposição. E a oposição deve ser constante, consistente, impessoal. Oposição ao governo, não ao país.
Não significa votar contra, mas questionar o que está em pauta e, sobretudo, fiscalizar a execução do que se aprova. Lula, ao que parece, não gosta disso. Quer “uma forma diferente” de governar. Sem oposição. Daí talvez o empenho em passar uma borracha nas ofensas que um dia recebeu de Arthur Virgílio e convidá-lo a integrar o “coro dos contentes”, a que se referia o poeta tropicalista Torquato Neto.
Virgílio, como se recorda, é aquele senador que, certa vez, da tribuna do Senado, prometeu dar fisicamente uma “surra” em Lula.
Quando, em outra ocasião, o presidente disse que desconhecia o mensalão, Virgílio afirmou, da mesma tribuna, que ou ele, Lula, era “um idiota ou um criminoso”, acrescentando que preferia crer que era um idiota. E foi na doce carona oferecida por Lula que a proposta de adesão – reiterada a seguir aos governadores - foi encaminhada ao líder da oposição. Uma proposta idiota – para não dizer criminosa.
Espera-se que não seja aceita – e, sobretudo, que seja revogada.
Ruy Fabiano é jornalista.
Um dos fundamentos da democracia é o convívio pacífico dos divergentes, o estabelecimento do contraditório. Prevalece a maioria, que governa, mas a minoria tem seu papel, tão fundamental quanto o daquela – e que é exatamente o de fiscalizá-la.
O presidente Lula, no entanto, segundo disse na quinta-feira, a uma platéia de 16 governadores recém-eleitos, está empenhado em “provar que é possível governar o país de forma diferente”. E aí, em tom de apelo, explicou como: que seus adversários deixem para lhe fazer oposição em 2010, ano em que sua sucessão estará novamente sendo disputada nas urnas. Ou seja, quer governar em uníssono.
Nem mesmo o regime militar, nos mais espessos anos do AI-5, foi tão explícito. A oposição naquela época, ainda que minúscula e intimidada, lá estava e, na primeira brecha que se abriu – as eleições de 1974 -, ressurgiu, vibrante, implacável. Lula é fruto da democracia.
Recentemente, chegou a declarar, com absoluta razão que é resultado da liberdade de imprensa – a mesma imprensa a que ele não cansa de atribuir os problemas que tem. E aí tem também razão.
A imprensa causa mesmo muitos problemas, sobretudo a quem está no poder: faz barulho, denuncia, acerta e erra, erra e acerta. Mas nenhum dos problemas que causa é tão grande quanto os que consegue evitar no exercício de sua sagrada turbulência. E assim é também a democracia: regime barulhento, trabalhoso, eventualmente caótico – o pior dos regimes, segundo Churchill, excetuados, naturalmente, todos os outros. Lula tem o gosto – e o talento – da negociação política.
Desenvolveu-o nos tempos em que exerceu a liderança sindical e sentava-se à mesa com os companheiros e, depois, com os patrões. Aprendeu a exigir, transigir, propor, contrapropor, blefar, encenar, enfim, a dominar todo o elenco de gestos coreográficos que envolvem a negociação. Vale-se desses recursos na presente montagem ministerial.
Percebe-se que o faz com gosto. Seu desgosto reserva-o para as críticas, as cobranças, inerentes – e indispensáveis – à democracia. O paradoxo está em que foi o exercício obstinado da crítica e da cobrança – freqüentemente exacerbada, eventualmente injusta – sobre sucessivos governos que o levou ao poder.
Poucos partidos, na história republicana brasileira, exerceram a crítica e a vigilância políticas de forma tão implacável e moralista quanto o PT. Talvez só a falecida UDN, braço civil do movimento militar de 64.
Tal qual sua congênere, o PT mostra aversão ao contraditório. Lula o disse com todas as letras. Já o havia dito na entrevista dada após a proclamação de sua reeleição. Disse então que não havia mais adversários, que o adversário, a partir daquele momento, era a exclusão social, a pobreza. Soou magnânimo, superior. Foi aplaudido.
Eis, porém, que o esclarecimento vem agora. Não há magnanimidade alguma. Lula apenas não quer oposição. Só a admite nas campanhas eleitorais. Jamais durante o exercício do mandato. Que o deixem trabalhar, como já pedia o slogan de sua campanha eleitoral.
Ofereceu, por isso mesmo, há dias, carona a um dos mais veementes críticos de sua performance governativa, o senador tucano Arthur Virgílio (AM), numa viagem a bordo do jato presidencial, ocasião em que lhe pediu apoio – a ele e a seu partido.
Ora, o maior (e único) apoio que a oposição, qualquer oposição, pode dar a um governo – qualquer governo – é exercendo o que lhe cabe: a oposição. O eleitor, quando elege um governante, elege simultaneamente quem lhe fará oposição. E a oposição deve ser constante, consistente, impessoal. Oposição ao governo, não ao país.
Não significa votar contra, mas questionar o que está em pauta e, sobretudo, fiscalizar a execução do que se aprova. Lula, ao que parece, não gosta disso. Quer “uma forma diferente” de governar. Sem oposição. Daí talvez o empenho em passar uma borracha nas ofensas que um dia recebeu de Arthur Virgílio e convidá-lo a integrar o “coro dos contentes”, a que se referia o poeta tropicalista Torquato Neto.
Virgílio, como se recorda, é aquele senador que, certa vez, da tribuna do Senado, prometeu dar fisicamente uma “surra” em Lula.
Quando, em outra ocasião, o presidente disse que desconhecia o mensalão, Virgílio afirmou, da mesma tribuna, que ou ele, Lula, era “um idiota ou um criminoso”, acrescentando que preferia crer que era um idiota. E foi na doce carona oferecida por Lula que a proposta de adesão – reiterada a seguir aos governadores - foi encaminhada ao líder da oposição. Uma proposta idiota – para não dizer criminosa.
Espera-se que não seja aceita – e, sobretudo, que seja revogada.
Ruy Fabiano é jornalista.
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