Maristela Farias, secretaria nacional de negros e negras do PSTU
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Brasil - PSTU - [Maristela Farias] Apesar da aprovação de direitos do serviço doméstico, trabahadores do setor ainda são extremamente precarizados
Saber que os negros são a maioria no Brasil não é nenhuma novidade. Basta olharmos a nossa volta para constatarmos qual é a composição étnico-racial dos brasileiros. Entretanto, somente em 2011, se combinaram as estatísticas e a realidade. A mídia anunciou, pela primeira vez na história, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que indicavam que a população de negros, composta de pretos e pardos, havia superado a de brancos, chegando a representar 63,7% dos brasileiros, ou seja, cerca de 97 milhões de pessoas. Deste percentual, a maioria é constituída por mulheres negras, que somam 50 milhões.
Proporcionalmente, as mulheres negras equivalem a populações inteiras de países como África do Sul e Coreia do Sul. Porém um grupo tão numeroso como este tem, historicamente, sofrido múltiplas formas de discriminação, fato que coloca a mulher negra na base da pirâmide social. As mulheres negras fazem parte de um contingente que, durante séculos, exerceram atividades nas lavouras, nas ruas como vendedoras e prostitutas, empregadas domésticas e outras atividades de baixa remuneração, condição que nem todas as mulheres passaram, já que as burguesas não sobreviviam de seu trabalho, mas da exploração de trabalho alheio.
Infelizmente, hoje, as mulheres trabalhadoras, e entre elas as mulheres negras, continuam ocupando atividades de subemprego, com baixa remuneração, insalubridade e sem proteção trabalhista, a exemplo do trabalho informal e das funções de empregadas domésticas. É uma questão que tem de ser mudada!
Sob a égide da exploração e da opressão
Ainda hoje, no Brasil, vemos meninas de 12 anos trabalhando por um prato de comida, situação parecida com a de muitos ex-escravos que seguiram trabalhando de graça em troca de abrigo ou, mesmo após a "abolição da escravatura", quando o Estado brasileiro os deixou a mercê da própria sorte. Resquícios dessa realidade escravocrata ainda permanecem muito vigentes em nosso país. A lógica dos empregos domésticos se inserem nesse processo.
Muitas das domésticas dormem na casa do patrão, não tendo uma jornada de trabalho definida. Aliás, ainda que a legislação trabalhista não permita jornadas de trabalho superiores a oito horas diárias para todos os trabalhadores, há definição legal da limitação da jornada para as empregadas domésticas, que acabam sendo submetidas à superexploração, trabalhando de domingo a domingo com raras folgas quinzenais. Isso sem falar naquelas que muitas vezes são vítimas da violência física, psicológica e até sexual nas casas dos patrões.
Segundo Cleusa Maria de Jesus, presidente do Sindicato das Domésticas da Bahia, em relato à revista Carta Capital de janeiro de 2013, "Tapas, empurrões, braços e pernas quebradas são denúncias comuns" das trabalhadoras domésticas. As mulheres negras, que compõem a base da pirâmide social brasileira e são maioria dos empregados no setor são as que mais sofrem com toda essa realidade histórica, que se reproduz cotidianamente. Elas também aparecem nos mais altos índices de violência doméstica, estupros, exploração sexual, resultante da opressão machista e da exploração capitalista impregnada na sociedade.
Queda de mão de obra doméstica ou necessidade de romper o ciclo da exploração?
Em janeiro de 2013, o serviço doméstico apareceu como o setor da economia com maior aumento real de salário em comparação com o mesmo período de 2012, com alta de 6%. Esse índice supera os resultados da indústria (1,5%), e do comércio (4%). Segundo resultados da última Pesquisa Mensal de Emprego (PME), divulgada pelo IBGE no dia 26 de fevereiro de 2013, os salários dos trabalhadores das seis maiores regiões metropolitanas do Brasil cobertas pela pesquisa tiveram uma alta real média de 2,4%.
O aumento do salário do trabalhador doméstico veio acompanhado de uma queda de 5,9% nos empregos do setor em comparação com dezembro de 2012. Só em janeiro, 88 mil domésticos desapareceram do mercado em Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Recife, Porto Alegre e Belo Horizonte. A série do PME mostra que, desde 2003, a parcela de domésticos na população ocupada cai a cada ano e, na época, representava 7,6% dos trabalhadores. Hoje, são 6,1%. No mesmo período, os rendimentos da categoria acumularam alta de 53,2%, quase o dobro da média geral dos trabalhadores, que foi de 27,2%. Mesmo assim, o salário das domésticas chega a 40% da média de todos os trabalhadores. Elas ainda têm os salários mais baixos entre todas as ocupações femininas. Ainda existe a informalidade que atinge quase 70% da categoria doméstica.
Segundo Fernando Holanda Barbosa Filho, da Fundação Getúlio Vargas, em entrevista ao jornal O Globo de 27 de fevereiro de 2013, o fenômeno está relacionado ao aquecimento do mercado de trabalho e ao fortalecimento do setor de serviços, que não exige profissionais qualificados. Assim, quanto mais forte o mercado, menor o interesse das pessoas em permanecer no serviço doméstico devido aos baixos salários. Na conclusão do especialista, será preciso pagar mais para manter o empregado.
A realidade tem mostrado que, mesmo com o alto índice de empregados domésticos, é cada vez maior e mais recorrente a ambição de mudar de profissão. Ao mesmo tempo, há necessidade e vontade de romper com o ciclo de exploração e opressão impostos com muito mais profundidade a esta parcela da classe trabalhadora, que hoje tem optado e se sujeitado a empregos não menos precarizados e exploradores, ganhando até menos na maioria das vezes, mas que lhes dão minimamente direitos trabalhistas, como carga horária e função definidas, folgas aos domingos, direito a férias, 13° salário, FGTS etc. Não é a totalidade dos trabalhadores domésticos que optam por outra profissão que conseguem empregos com garantia. Há muitos que estão na informalidade em outras profissões, mas que se sentem menos explorados e oprimidos.
Perspectivas econômicas e direitos para as domésticas
Segundo dados da própria Organização Internacional do trabalho (OIT), em 2010, eram 7,2 milhões de trabalhadores domésticos. Já em 1995, havia 5,1 milhões, dos quais mais de 95% eram mulheres. Mesmo tendo havido um crescimento no mundo no número de empregadas domésticas, nada se compara ao crescimento de 41% apresentado nos dados brasileiros. Expansão seguida pela alta de 47% nos salários, impacto muito provavelmente ocasionado pelo aumento do salário mínimo nos últimos anos.
Contudo, estes números não justificam o ufanismo destacado pelas novelas globais em torno da ascensão econômica das empregadas domésticas, que as retrata com possibilidades prósperas, capazes de, da noite para o dia, se transformarem em empresárias bem sucedidas. Balela!
O que se dá, na verdade, é uma tentativa ilusória e surrealista de contribuir com o "Mito da Democracia Racial", embutido ainda mais na sociedade que no Brasil não há racismo, que somos todos iguais, e que "todos temos as mesmas oportunidades", encobrindo o debate de que há uma dívida histórica com a população negra, desde o tempo da "Abolição da Escravatura". Dívida esta especialmente com as mulheres negras, que desde sempre neste país são trabalhadoras, oprimidas, exploradas e violentadas das mais variadas formas, mesmo após a abolição. Em 1943 quando a Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT entrou em vigor, as empregadas domésticas ficaram excluídas de qualquer direito.
Há um aumento da mão de obra feminina. As mulheres estão cada vez mais estudando e trabalhando, o que por si só já demonstra a necessidade de se pensar políticas públicas que atendam estas mulheres trabalhadoras, os filhos delas, bem como a importância dos homens se conscientizarem que tem de haver divisão de tarefas domésticas enquanto o trabalho não for socializado.
Como o governo não avançará em políticas concretas para as mulheres trabalhadoras, a luta contra o machismo enraizado na sociedade capitalista ainda será longa e pautada numa perspectiva de que o Brasil diferentemente de países da América do Norte e Europa está muito distante de oferecer uma estrutura de apoio para que as famílias vivam sem os serviços da empregada doméstica.
Em dezembro de 2012, fruto de uma luta histórica das trabalhadoras domésticas, a Câmara dos Deputados aprovou a proposta de emenda à Constituição que assegura igualdade de direitos aos domésticos, com jornada de 44 horas semanais, pagamento de horas extras, adicional noturno, FGTS e seguro desemprego. O projeto tramita no Senado. Mas restam incertezas. Por exemplo, como controlar as horas trabalhadas de quem dorme na casa do patrão? Exigimos do governo a regulamentação da jornada de trabalho e políticas de socialização do trabalho doméstico, como restaurantes e lavanderias públicos, creches em tempo integral para todas as crianças, entre outros, que tirem a mulher da escravidão do lar. Agora, sabemos que por mais avanços que tenhamos, nesta sociedade capitalista ainda continuarão existindo as diferenças de raça, classe e gênero.
Por isso, lutamos e defendemos uma sociedade socialista, na busca por uma sociedade mais justa e igualitária, em que não haja opressores e nem oprimidos, nem exploradores, nem explorados.
Maristela Farias, secretaria nacional de negros e negras do PSTU
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