A atualidade de Rosa Luxemburg
Autor: Isabel Loureiro
Quem conhece a história sabe que a desobediência é a virtude original do homem.
Oscar Wilde
Por que Rosa Luxemburg hoje? Qual a atualidade de seu pensamento político para os movimentos sociais? Esta é a questão que me proponho a esclarecer aqui.
Quando escrevi meu doutorado no final dos anos 80/começo dos 90 minha preocupação era (assim como hoje) encontrar no pensamento político de Rosa Luxemburg elementos para uma política de esquerda que fosse ao mesmo tempo revolucionária e enraizada nos problemas do presente. Eu buscava recuperar em Rosa a idéia de uma Realpolitik revolucionária, ou seja, a idéia de que para ela não é possível separar reforma e revolução.
No final dos anos 80 a esquerda tinha no horizonte o fim do socialismo na URSS e nos países do Leste europeu, e no Brasil as primeiras eleições diretas para presidente da República (Lula/Collor). Embora isso não seja dito no livro, o PT das origens era meu interlocutor oculto. Os dilemas que apresento na teoria e na prática política de RL pareciam-me ser naquela época os dilemas de uma esquerda socialista democrática que queria chegar ao poder de Estado sem abrir mão do programa socialista, sem deixar de lado a “coerência radical dos princípios” (Franz Mehring). Eu via a luta da esquerda no Brasil em 1989 (e mesmo depois) como uma luta para alargar os limites do possível no quadro do capitalismo, ou seja, como Realpolitik revolucionária (Gesammelte Werke 1/2, p.373) e foi nessa perspectiva que interpretei a teoria e a prática de Rosa Luxemburg.
Para mim essa teoria e essa prática eram atravessadas por uma tensão não-resolvida entre o determinismo economicista (típico da 2a Internacional) e uma concepção de política em que a ação autônoma das massas populares cria um espaço público inteiramente diferente do espaço público burguês – e nesse sentido cria já em sociedades predominantemente capitalistas, a partir de baixo, da ação coletiva dos deserdados da terra, os germes de uma sociedade mais justa e mais igualitária. A oscilação de Rosa entre o pólo determinista e o pólo “autonomista” foi o que chamei de “dilemas da ação revolucionária” que há 12 anos atrás me parecia serem também os dilemas do PT.
Hoje, ao que tudo indica, para a esquerda governamental esses dilemas desapareceram (se é que existiram de fato e não apenas na minha cabeça). A “esquerda” no governo optou pela Realpolitik sem revolução: limita-se a aplicar automaticamente o programa do capital da maneira mais pragmática possível, alegando que não há outro caminho, que não há brechas no edifício monolítico do capital. There is no alternative, tal como apregoado pela primeira vez por M. Thatcher é o lema do atual governo. Não é descabido fazer um paralelo com a social-democracia alemã do começo do séc. XX que depois da queda da monarquia na Alemanha em novembro de 1918 aderiu de tal forma às forças do antigo regime (ficando prisioneira de uma lógica perversamente conservadora) que nem sequer conseguiu aproveitar o espaço político então existente para realizar as reformas democratizantes almejadas pelas forças populares, e que eram propostas do seu próprio programa. Como sabemos, a história se vingou posteriormente dessa falta de ousadia.
Em resumo, o que quero dizer com isto, é que hoje não existe mais diálogo entre as idéias de Rosa e a esquerda atualmente no poder no Brasil, diálogo que existia (como mostram p. ex. as resoluções do 7o Encontro Nacional, em 1990) no fim da década de 80. Mas isso não significa que as idéias de Rosa tenham deixado de ser atuais, e sim que ganharam uma nova atualidade. Vou procurar expor esta tese em três pontos com o objetivo de contribuir para a discussão que nos mobiliza hoje – a necessidade de refundar a esquerda.
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Para introduzir essas questões vou me inspirar no ensaio de I. Wallerstein (Uma política para a esquerda no século XXI? Ou teoria e práxis novamente) em O espírito de Porto Alegre, que é uma contribuição para pensarmos o que seria hoje uma nova esquerda e de que modo as idéias de Rosa podem ajudar nesse projeto que hoje se encarna em parte nos movimentos antiglobalização.
Segundo Wallerstein, a esquerda do séc. 21, diferentemente da velha esquerda dos partidos políticos (social-democratas e comunistas) perdeu a crença numa teoria otimista da história, na idéia de uma história linear e progressista. Nisso ela é herdeira da Nova Esquerda que surgiu no que ele chama de “revolução mundial de 1968”, que não só rejeitou o centralismo dos partidos de esquerda tradicionais, mas mais importante, rejeitou, como disse, a teoria de uma história em progresso constante, que desembocaria na vitória do socialismo.
Considerando que essa é uma aquisição duradoura, uma estratégia para a esquerda mundial hoje precisa ser totalmente diferente da estratégia da esquerda no séc. 19 e parte do séc. 20. A estratégia da “velha esquerda” dividia-se em duas etapas: primeiro chega-se ao poder de Estado, depois transforma-se o mundo. Essa estratégia não foi bem sucedida, e o que aconteceu em grande parte dos países em que partidos de esquerda chegaram ao poder é que não se passou à segunda etapa. Para Wallerstein é aí que reside a desilusão com a “velha esquerda”. Basta lembrarmos, como sintoma mais recente dessa desilusão, o livro do cientista político John Holloway, Mudar o mundo sem tomar o poder, que visa precisamente elaborar uma teoria política a partir dos novos movimentos sociais deixando de lado a idéia de conquista do Estado, por considerá-la equivocada.
1. É aqui que podemos detectar um primeiro ponto da atualidade do pensamento político de RL: a defesa do socialismo democrático como resultado da ação autônoma das massas o que implica uma crítica indireta à estratégia das duas etapas.
Na sua polêmica com os bolcheviques quando da dissolução da Assembléia Constituinte, Rosa Luxemburg defende incisivamente a idéia de que a tomada do poder não é uma etapa prévia à realização da democracia, e sim que tomar o poder e realizar a democracia são duas faces da mesma moeda. “A democracia socialista não começa somente na Terra prometida, quando tiver sido criada a infra-estrutura da economia socialista, como um presente de Natal, já pronto, para o bom povo que, entretanto, apoiou fielmente o punhado de ditadores socialistas” (A Revolução Russa, p.96). Liberdades democráticas, direito de associação e de reunião, imprensa livre são pré-requisitos indispensáveis para uma ampla circulação de idéias entre as massas populares, permitindo que saiam da menoridade em que foram postas por elas mesmas, mas sobretudo pela dominação absolutista (no caso da Rússia anterior à revolução) e capitalista.
Em outras palavras, Rosa não acredita que a conquista do poder de Estado baste para transformar a sociedade, e por isso defende a idéia de que tomar o poder e mudar o mundo (que no texto em pauta se traduz pela defesa da democracia já) são dois momentos inseparáveis de um só processo.1 Aliás, esta idéia aparece claramente no discurso de fundação do Partido Comunista Alemão quando diz que na revolução socialista não basta “derrubar o poder oficial no centro e substituí-lo por (...) algumas dúzias de homens novos. Precisamos trabalhar de baixo para cima (...) conquistar o poder político não por cima, mas por baixo.” (Rosa Luxemburg – Os dilemas da ação revolucionária, p.344) E nesse momento tinha surgido espontaneamente no bojo da revolução alemã uma grande novidade que permitia pensar numa democratização radical daquela sociedade: conselhos de operários e soldados.2
Rosa ficou conhecida como a teórica da greve de massas, e essa foi sem dúvida sua contribuição original à teoria marxista. A idéia básica é que as massas desorganizadas, incultas, ao passarem à ação se politizam, adquirem na luta consciência de sua condição e de seus objetivos revolucionários, e não precisam ficar à espera de que uma vanguarda lhes leve de fora a consciência. A vanguarda, o partido é porta-voz dos anseios das massas os quais ela sintetiza num programa, mas a vanguarda não substitui as massas em hipótese alguma. Sem essa dialética entre núcleo organizado e espontaneidade das massas não há esperança de mudança radical da sociedade capitalista.
Para Rosa, o que importa é a transformação econômica, política e cultural da sociedade levada a cabo pela ação (organizada e consciente, mas também espontânea, inconsciente) das massas populares. Esta idéia, ainda que com modificações, está na base dos movimentos sociais contemporâneos que vêem por exemplo nos Fóruns Sociais (mas também em todas as mobilizações como na Argentina com os piqueteros, a rebelião indígena na Bolívia durante a guerra do gás, a ocupação de terras pelo MST, etc.) a oportunidade de construir o que poderíamos chamar de espaço público popular, uma forma nova de articular o indivíduo e a coletividade, muito diferente do funcionamento regular das instituições nas democracias burguesas em que os indivíduos nada mais são que um aglomerado de mônadas isoladas se relacionando umas com as outras exclusivamente por meio do mercado. A construção desse EPP nos quadros da sociedade existente é demorada, problemática, contraditória. Mas sem ele, pensa Rosa (e os fracassos do socialismo real lhe deram razão), não é possível criar uma sociedade democrática que transcenda a dominação do capital.
Em resumo, e essa é uma idéia bem atual, o socialismo só constituirá uma forma de vida qualitativamente diferente se for instituído a partir de baixo, com a participação ampla e ativa das massas populares. Assim sendo, para Rosa a revolução é um processo social e não apenas a tomada do poder por um partido de esquerda (embora ela não descarte a tomada do poder). É muito atual em Rosa sua recusa do vanguardismo – a idéia de que o socialismo só pode ser construído se houver indivíduos conscientes, esclarecidos, dotados de autonomia intelectual e moral, que tenham todos e cada um consciência da dominação. Nessa perspectiva a revolução é um processo longo, cuja construção começa já no interior da própria ordem capitalista e que continua de maneira acelerada quando ocorre a derrubada da antiga ordem por meio de uma rebelião popular.
2. A crítica de Rosa Luxemburg à concepção de partido hierarquizado, centralizado também continua atual. Essa crítica tem dois aspectos:
a. no que se refere estritamente ao partido, Rosa critica, como sabemos, a concepção leninista do partido-vanguarda, uma organização centralizada e hierarquizada de revolucionários profissionais. Enquanto Lenin dizia (Um passo à frente, dois passos atrás) que os revolucionários social-democratas (na terminologia do começo do séc. 20) eram como “jacobinos ligados à organização dos operários com consciência de classe”, o que implicava exterioridade entre a vanguarda e a classe trabalhadora, entre organização e espontaneidade, Rosa dizia que a “social-democracia não está ligada à organização da classe operária, ela é o próprio movimento da classe operária.” (QO,43) Nessa medida, o partido é expressão das diversas correntes que atravessam a classe operária, mas não só a classe operária. Rosa entende o partido social-democrata como partido-classe/partido de massas que engloba a oposição do proletariado à burguesia e também a oposição não-proletária à burguesia (ou seja, a pequena burguesia que está se proletarizando) (Questões de organização da social-democracia russa, p.57). Assim sendo, se o partido não é uma organização rigidamente hierarquizada e centralizada de revolucionários profissionais, mas a expressão das experiências históricas dos de baixo, não é possível eliminar o oportunismo por meio de um estatuto previamente estabelecido, nem por uma disciplina severa.
Assim sendo, Rosa critica em Lenin a tentativa de fazer da disciplina um elemento central da organização. Para ela é preciso extirpar o “espírito de disciplina servil” inculcado no proletariado pela família, pelo exército, pela fábrica, e pela burocracia do Estado moderno, extirpar a obediência em que ele é educado, disciplina e obediência que são interiorizadas, o que só pode ocorrer com iniciativas práticas anti-autoritárias. Só assim a “disciplina servil” pode ser substituída por uma “nova disciplina”, a “auto-disciplina voluntária da social-democracia” (p.45).
Em resumo, o partido de esquerda, segundo Rosa, é uma organização flexível em que coabitam diversas correntes (formadas por indivíduos autônomos), que apoiam um programa mínimo: não participar do governo, não votar créditos de guerra nem o orçamento do Estado – tudo isso explode em agosto de 1914. E como a experiência que ela teve no partido social-democrata alemão sempre foi problemática, Rosa aposta sempre, contra o partido (embora não tivesse idéias anarquistas), na espontaneidade criadora das massas.
b. contra a idéia de uma forma privilegiada de organização, o partido, Rosa é defensora de múltiplas formas de organização. Ela concordaria com Wallerstein (p.31), para quem “Os componentes sociais que potencialmente constituem a esquerda são muito diversos, enfrentam muitos problemas diferentes imediatos, originam-se em lugares culturais muito diversos para que funcione um sistema de centralismo democrático, mesmo que seja genuinamente democrático.” É porque as forças anti-sistêmicas são multifacetadas que faz sentido a defesa de um EPP formado por múltiplas formas de associação, organização, movimentos, marchas populares, lutas, em que os de baixo põem em prática as mais variadas experiências. Para Rosa essas experiências podem encarnar-se no partido, nos sindicatos, nos conselhos, hoje nos chamados movimentos sociais, ontem e sempre na rebeldia espontânea: não há uma única forma de organização das massas populares, pois o processo de transformação recíproca da luta de classes e do capitalismo leva a contínuas modificações das formas organizativas.
Para Rosa, assim como para os movimentos sociais de nossa época, é da participação dos de baixo – da experiência das massas populares – que vem a esperança de mudar o mundo. Não apenas aos políticos profissionais – mesmo os de partidos de esquerda – está reservada a grande missão transformadora. Muito pelo contrário, deles pouco ou nada se pode esperar. Por isso os movimentos sociais são partidários da ação direta, não ficam à espera de soluções parlamentares; eles sabem que os representantes eleitos para o parlamento fazem parte de uma estrutura de poder cooptada pelo capital. A política parlamentar só preserva os interesses populares quando forçada a isso em épocas de intensa mobilização coletiva. Quando contra o vírus do parlamentarismo que se propagava na social-democracia alemã, Rosa Luxemburg adotava o verso do Fausto, “no princípio era a ação”, ela revelava um profundo e acertado ceticismo em relação à possibilidade de os mecanismos parlamentares por si sós conquistarem e preservarem direitos de quem não possui capital.
Subverter a base do edifício requer superar a separação entre política e vida social, ir além da política vista como atividade especializada de profissionais. Nessa perspectiva não há separação (ou não deve haver) entre os que sabem e os que não sabem, os organizados e os sem-organização. Sem a espontaneidade dos homens e das mulheres comuns que resistem individual e coletivamente das mais diferentes maneiras, ainda que contraditórias, à sujeição ao capital, é impensável uma política emancipadora.
Pelas razões apontadas (tomar o poder e mudar o mundo não são etapas separadas; partido como organização flexível de várias correntes de opinião de esquerda; defesa de múltiplas formas de organização dos de baixo; socialismo como criação autônoma das massas e não como instituição por meio dos decretos de uma vanguarda) Rosa foi vista durante o séc. 20 como uma alternativa socialista democrática ao socialismo realmente existente, como crítica da burocracia nos países comunistas.
3. E por fim há um último ponto que gostaria de assinalar e que considero de grande atualidade, sobretudo no Brasil, que é a palavra de ordem socialismo ou barbárie, o que certamente pode parecer ridículo. Como falar de uma alternativa socialista num país que corre desembestado pelos trilhos das políticas neoliberais? Mas vamos lá.
A primeira observação a fazer é que a alternativa socialismo ou barbárie significa que o mundo tanto pode ir numa direção quanto na outra, que não há garantias, que o desfecho depende da luta de classes, que é imprevisível.
A segunda observação é que se não tivermos como objetivo de nossa luta o socialismo não sairemos da mesmice atual, que é a barbárie capitalista com toda a sua ferocidade. A idéia de uma alternativa socialista para o Brasil me foi sugerida por um artigo de Plínio de Arruda Sampaio Jr. publicado no n. 48 da revista Reportagem (set. 2003), Desenvolvimento não é crescimento. Nesse artigo, ao desenvolver a idéia do título, o Autor mostra que apesar do crescimento econômico que tem existido no país, ele não se traduziu em maior igualdade social. O problema da fratura social não estaria portanto num déficit de crescimento, e sim na busca equivocada de imitar o modelo de civilização surgido da revolução industrial, que leva necessariamente à dicotomia entre ricos e pobres (e eu acrescentaria, à destruição irremediável do meio-ambiente).
A conclusão de Plínio é que “a retomada do desenvolvimento [que não se reduz a crescimento] passa necessariamente por uma mudança radical do estilo de desenvolvimento da economia brasileira, o que requer coragem para enfrentar o status quo e criatividade para vislumbrar novos horizontes.” (p.51) O Autor dá indicações em termos de um programa mínimo: trata-se de superar uma modernização que se restringe a ter por modelo o consumo dos países avançados, vencer a subordinação ao capital financeiro, e recuperar a capacidade de intervenção do Estado na economia.
Nós podemos acrescentar que esse programa mínimo (as reformas, no sentido de Rosa Luxemburg) só tem sentido pleno ligado a um programa máximo, que vê a alternativa socialista como desmercantilização da vida. Aqui mais uma vez podemos pensar no atual movimento antiglobalização e num dos lemas do primeiro FSM – “o mundo não é uma mercadoria” – que sintetiza as lutas dos movimentos antiglobalização pela retomada dos bens públicos. Nossa experiência nos últimos 20 anos tem sido a da devastadora mercantilização e privatização de todas as dimensões da vida (educação, saúde, cultura, natureza, terra, água, formas de vida com as patentes de seres vivos e sementes). Hoje a luta é contra a transformação do mundo e da vida em mercadoria. “O socialismo deve ser um programa para a desmercantilização de tudo”, para a “eliminação do lucro como categoria” (Wallerstein, p.36). Esse objetivo a longo prazo, utópico, é que deve dar sentido às lutas por objetivos a curto e médio prazo, locais, nacionais e globais. Com isso recupera-se a dialética entre reforma e revolução – a Realpolitik revolucionária, nos termos de RL – e pode-se pensar para além do pragmatismo em que estamos afogados.
Um projeto de mudança no interior da sociedade capitalista é sempre algo complicado e polêmico. E RL tinha consciência disso, da tensão entre “prudência” e “audácia” (Merleau-Ponty), entre presente e futuro, que percorre todo projeto de transformação radical que procure se construir no interior desta sociedade.
Esse é o drama (ou a tragédia, dependendo da conjuntura) de toda política de esquerda na sociedade capitalista. Como reconhece a própria Rosa em Questões de organização, a esquerda (a social-democracia, na linguagem da época) “precisa avançar entre dois obstáculos: entre a perda de seu caráter de massa e o abandono do objetivo final, entre a recaída no estado de seita e a queda no movimento de reformas burguês.” Lutar dentro da ordem estabelecida significa não ser possível preservar a esquerda contra desvios “oportunistas”, dirigindo-a sempre para objetivos revolucionários. Mas embora Rosa defenda a unidade entre reforma e revolução (a luta por reformas só faz sentido desde que incluída num movimento mais amplo a longo prazo visando o socialismo) ela jamais contemporizou com a Realpolitik, com a política pragmática por reformas sem mais. Resumindo: o que a sua teoria e a sua prática nos ensinam é que uma política de esquerda só faz sentido se mantiver unidos o que é e o que pode ser. Ou em outras palavras, a utopia nunca deve ser tirada do horizonte, sob pena de cairmos no mais vulgar pragmatismo.
Breve nota final
Hoje no Brasil, quando se acabaram totalmente as ilusões a respeito do PT como alternativa de mudança, precisamos, como a Nova Esquerda das décadas de 1960/1970, criar uma cultura socialista, mas não sabemos ainda como. Sabemos o que não queremos: não queremos (nem podemos) repetir a trajetória dos PCs, nem da social-democracia, nem do PT. Temos apenas um patamar mínimo que herdamos da Nova Esquerda do passado (em parte também inspirada em Rosa Luxemburg):
1. crítica ao marxismo economicista, determinista, dogmático;
2. crítica aos partidos de massas centralizados, hierárquicos e autoritários (mesmo quando se pretendem democráticos no plano retórico, caso do PT);
3. crítica a todo tipo de autoritarismo, da esfera pública à privada;
4. fim da crença numa teoria otimista da história, linear, progressista, o que leva à idéia de que um desfecho humano para a barbárie do séc. 20 só pode resultar da luta das massas;
5. mas hoje que o capitalismo realizou todas as suas ferozes possibilidades, é preciso algo mais (que não era tão vital para os movimentos sociais dos anos 60/70 basicamente anti-autoritários) que era inquestionável para a esquerda do começo do séc. 20 – é preciso ser resolutamente anti-capitalista. Daí a necessidade de retomar a palavra de ordem socialismo ou barbárie.
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