quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Veias abertas da América Latina

Veias abertas da América Latina

As veias da América Latina continuam abertas, como pronunciou o escritor uruguaio Eduardo Galeano no seu bestseller de 1971 que orientou as esquerdas por décadas (e continua a orientar alguns fósseis).

Mas se, como alegava Galeano, a história da região era a exploração predatória de suas riquezas por impérios estrangeiros, a receita dessas riquezas agora ficam muito mais por aqui. O "boom" de commodities das últimas décadas é um dos pilares da emergência da América Latina, e ele, como ela, veio para ficar e nos enriquecer se bem conduzido.

A revista global "Economist" colocou na capa um mapa invertido das Américas com o título: "Nobody's Backyard: The Rise of Latin America". Entre outros "insights" do olhar externo liberal anglo-saxão, a reportagem especial dá ao Brasil um pertencimento à região que insistimos em ignorar.

Estamos, como sempre, na mesma página da história de nossos vizinhos, política e economicamente: crises dos anos 1980 enterram regimes militares, ciclo liberal do Consenso de Washington, crises do final dos anos 1980/início dos 2000, onda da esquerda ou centro-esquerda, programas de transferência de renda, melhora demográfica, consolidação da estabilidade, redução da desigualdade. Tudo que passa por aqui passa pela América Latina.

Com suas peculiaridades locais, claro, que o colombiano é muito diferente do uruguaio que é o oposto do equatoriano que não tem nada com o argentino além da língua. O brasileiro, então, é peça rara. Mas dividimos a história, interesses. E a incapacidade de formar na região uma visão comum que a transforme, como aconteceu na Europa.

O Brasil, por motivos óbvios, é cada vez mais o país mais talhado para comandar esse processo de união: pelo tamanho da economia, pela fronteira tão extensa com tantos países, pelas empresas cada vez mais latino-americanas, pela projeção internacional, pela estabilidade política.

Mas não conseguimos afirmar nossa liderança nos fóruns regionais desdentados. Não temos sequer uma estratégia estruturada para isso que deveria ser a grande meta de nossa ação externa (como o projeto europeu dominou as ações de França e Alemanha por décadas). Por absurdo que pareça, estamos mais empenhados em resolver eternos impasses no Oriente Médio, sobre os quais não temos nenhuma ascendência, do que liderar a união do continente onde temos liderança nata numa década que a "Economist" quase chama de década latino-americana.

Só pode ser essa a prioridade de nossa política externa, trazer visões novas para a integração regional. Como seria, por exemplo, aproximar os EUA da região, não afasta-lo, como lutou o Brasil.

Os EUA, em alguns aspectos, são o país mais parecido com o Brasil. Eles podem ser também bons aliados na integração regional desde que finalmente acordem para a importância da América Latina e a trate com o devido respeito.

O Brasil, os EUA e a América Latina precisam repensar e relançar suas relações. A emergência econômica da região pede isso. As veias estão abertas.


Sérgio Malbergier é jornalista.

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