segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Esperteza conhecida (06/02)

Esperteza conhecida (06/02)
Há uma malandragem habitual na política brasileira. Antes da eleição, adular o eleitor médio. Depois, bater continência para uma certa opinião pública. Afinal, voto mesmo só daqui a quatro anos, não é?

Desde a eleição, nota-se um desconforto no ambiente. O incômodo é pela emergência de certa pauta conservadora, cujo aríete foi o debate ano passado sobre o aborto, na campanha presidencial.

O tema veio à rinha por iniciativa político-eleitoral do governo, quando assinou o decreto com a terceira versão do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH 3). Havia também uma entrevista pretérita da candidata Dilma Rousseff defendendo a descriminalização.

As coisas juntaram-se, como era previsível, e tiveram um efeito. A ação de igrejas potencializou a insatisfação (ou a dúvida), levou no primeiro turno votos principalmente para Marina Silva e ajudou um pouco a carregar José Serra para o segundo turno.

Aí veio o recuo. E Dilma comprometeu-se a não impulsionar no Congresso a revisão da lei. Estancado o vazamento, o assunto deixou de ter valor.

Mas deixou também cicatrizes sensíveis. E a valentia que faltou aos valentes para encampar militantemente a tese durante a campanha eleitoral reapareceu depois da eleição.

Tipo o sujeito cujo time perde o jogo e fica resmungando diante do videoteipe, na esperança de mudar o resultado.

Existe na política brasileira uma esperteza manjada. Antes do voto na urna, adular o eleitor comum. Depois, bater continência para uma certa opinião pública. Afinal, outra eleição só daqui a quatro anos, não é?

A presença da agenda conservadora soa também como o visitante não convidado que incomoda na festa.

De duas décadas para cá, petistas e tucanos decidiram que têm o monopólio não apenas da política brasileira mas também do poder de decidir que assuntos devem ser discutidos e quais não.

Um de cada vez, governam gostosamente com apoio do que, nas rodinhas de bem-pensantes, gostam de chamar de “atraso”. Não sem lamentar que tenham de fazer isso.

Propiciaram inclusive o surgimento de uma safra sebastianista, ocupada full-time em cantar a volta dos tempos quando ambos simbolizavam a “ética” e a “renovação”.

Imaginam que o debate na sociedade pode ser contingenciado como, por exemplo, o orçamento. E executado só quando convém. Assim, a legalização do aborto é pauta legítima se, e quando, proposta por quem é a favor. Mas ilegítima quando, e se, impulsionada por quem é contra.

Agora, para desgosto, uma pesquisa do canal de internet G1 entre parlamentares aponta que a agenda conservadora tem apoio majoritário. Confirma o verificado na campanha eleitoral. Verificação que também aparece em qualquer levantamento popular dos temas.

Talvez seja hora de parar com o cinismo e com a esperteza, de debater os assuntos de frente, não com resmungos em rodinhas ou nichos. Sem preconceitos ou interdições. E que cada um se exponha com suas ideias. E pague o preço por elas.

A presidente da República, pelo jeito, decidiu que o preço estava alto demais e mandou para casa o assessor que defendeu o fim das penas de prisão para pequenos traficantes.

Ainda que corra outra coisa. Ser surpreendida pela declaração incomodou mais que o conteúdo. Mas o resultado final foi a exoneração.

Delícia

Subiu bem a temperatura nos embates entre o governo e o PMDB pelo comando do setor elétrico.

Especialmente depois que o segundo passou a flertar — pelo menos oralmente — com a possibilidade de fazer uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na área.

Para verificar, afinal de contas, o passivo de cada um.

A coisa andou azedando o ambiente mas não tem chance de evoluir. Até por não receber apoio na oposição nominal.

Governar sem oposição é uma delícia, para o governo.

Para o país, é um problema.

Síntese

O PSDB veiculou quinta-feira seu programa de tevê. Com um detalhe. O partido não se deu ao trabalho de agradecer, simplesmente agradecer, aos quase 44 milhões de eleitores que saíram de casa para digitar o “45” na urna eletrônica.

A boa votação foi apresentada pelos tucanos como um atributo, e não algo pelo que o partido devesse ser grato ao eleitor.

Talvez seja uma síntese.

Coluna (Nas entrelinhas) publicada neste domingo (06) no Correio Braziliense.

Alon Feuerwerker

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