20/08/2006
"Nunca se roubou tanto como hoje"
Por Gilberto Nascimento (Luludi/Agencia Luz) no Correio Braziliense:
"Aos 75 anos, o ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso divide seu tempo entre aulas e palestras ao redor do mundo. Acompanha com atenção a política brasileira, mesmo longe da linha de frente da campanha do tucano Geraldo Alckmin (PSDB) à presidência. Nesta entrevista, o ex-presidente fez avaliações paradoxais sobre o governo Lula. Perguntado sobre o fato de a Polícia Federal prender hoje muito mais gente, disse que, em contrapartida, “nunca se roubou tanto como hoje”, mas nega que a responsabilidade seja de Lula. Diz que a ação da Polícia Federal é “um avanço do Estado brasileiro”.
Sua críticas mais duras foram para o Congresso. “Está paralisado, tem muito ladrão, não se faz nada”. Diz que a população brasileira “está com nojo e com medo” da corrupção e da crise do sistema político do país e que o próximo presidente terá de tomar a iniciativa de propor uma reforma deste sistema.
Há um ano, o senhor disse que o presidente Lula transformou os partidos numa “geléia geral”. Era uma previsão da crise?
Todo mundo viu isso. O sistema partidário ficou muito diluído com essa questão de sanguessuga e mensaleiro. Hoje, só há dois pólos: o PT, e a aliança PSDB e PFL. O PT eu não sei se vai sobreviver a tudo isso. Sai muito arranhado. Lula aparece em fotografias com antigos adversários, que ele tratava de uma maneira dura, até xingando. Vivemos um momento de crise. É a falta de identidade do eleitor com quem se elege e com os partidos. Temos de mudar o sistema de voto. Partir para o voto distrital.
O presidente falou numa Constituinte para fazer a reforma política. O Congresso pode fazê-la?
As coisas só acontecem quando a sociedade está grávida da idéia. Não se pode falar de Constituinte assim. A própria Constituição dita as regras pelas quais ela pode ser mudada. Hoje, o que comove o brasileiro são a corrupção e a violência, o medo. E o Congresso não faz nada, tem muito ladrão, não se toma medidas. Isso cria um clima de mal-estar. A sociedade está recuada em função do nojo e do medo. Está enojada com tanta podridão e com medo da insegurança gerada. A reforma deve ser feita pelo Congresso, mas ele só vai funcionar se houver pressão da sociedade. É preciso saber qual é a agenda do Brasil.
Qualquer que seja o presidente novo, ele tem de ter uma agenda.
Esse Congresso desgastado conseguirá fazer isso?
As coisas só avançam quando há lideranças com força. A responsabilidade dos líderes brasileiros é levar uma agenda de transformação ao Congresso. Se o presidente da República tivesse uma noção da sua responsabilidade histórica, estaria fazendo isso. Estaria propondo um caminho para o Brasil, em vez de dizer: “Eu já fiz, eu sou o maior, eu comecei tudo”. O desafio depois das eleições é saber quem vai ter a capacidade de despertar essa sociedade.
Qual o reflexo do ação do PCC em São Paulo? Não prejudica o PSDB?
Pode prejudicar. Mas todos sofrem prejuízos. A população não é boba. Percebe que há uma reação do PCC ao fato de que o governo prendeu muita gente e fez um regime disciplinar mais duro. As manifestações do PCC são contra o PSDB. Mas não se deve partidarizar isso. O assunto é grave demais. Também acho que não se deve colocar o Exército na rua. O Exército tem que ajudar na inteligência, na infra-estrutura. O governo de São Paulo pode dizer que os crimes de sua alçada, como homicídio e latrocínio, caíram enormemente. O que não caiu foram armas e droga. Isso é crime federal. Tucanos têm falado em envolvimento do PT com o PCC... Não é que o PT esteja envolvido. Como quem está no governo é o PSDB, ataca-se o PSDB. Não é que haja uma relação PT-PCC. Não concordo com essas afirmações.
Como o senhor analisa a queda de Alckmin nas pesquisas?
Houve uma exposição grande do Geraldo na mídia com o acesso ao horário da TV. Ele subiu nove pontos. Depois, saiu da mídia. Numa sociedade como a nossa, com pouca informação e interesse pela política, a formação da opinião se dá pela exposição na TV e no rádio. É importante saber o que vai acontecer daqui a 15 dias.
O senhor considerou o Serra melhor candidato que Alckmin...
É a pessoa mais preparada para governar o Brasil. Mas entre ser bem preparado e o melhor candidato, vai uma diferença.
E por que o PSDB não lançou então o mais bem preparado?
Porque achou que era mais fácil somar forças através do Geraldo. O Geraldo tem uma comunicação na TV bem diferente da dos políticos. Fala direto, fala as coisas de maneira clara e passa uma boa imagem. O Geraldo é bem preparado também. O Serra foi líder do Congresso, ministro duas vezes, candidato a presidente da República, prefeito. Estou dizendo que o Serra é o mais bem preparado, mas não que ele vai ser presidente.
A afirmação do senhor causou mal estar no PSDB...
Minha opinião é conhecida. Também meu apoio ao Geraldo é conhecido. É simplesmente um grau de experiência maior ou menor. Se achasse o contrário, teria insistido para o Serra ser candidato.
Para o senhor, a roubalheira começou nesse governo?
Ela vem desde Pedro Álvares Cabral. Mas quando você organiza um sistema com a implicação direta de pessoas do governo ou de líderes políticos ligados ao governo, isso é novo. É institucional. É diferente da patifaria tradicional. É diferente do caixa dois, que é uma fonte privada.
Como será a governabilidade de quem for eleito?
O governo perdeu a iniciativa política no Congresso. Duvido que o presidente Lula saiba o nome de todos os ministros. Falta governo. Governabilidade depende não só do sistema eleitoral, mas do governo também. Se o governo tem rumo, ele consegue. Nós vamos na direção do que faz a Venezuela hoje? Achamos bom que a Petrobras seja expropriada na Bolívia? São muitos problemas que levam à falta de governabilidade e o Congresso começa a colocar as manguinhas de fora.
O Lula e o seu governo perderam a respeitabilidade?
É melhor perguntar à população. Você tem um presidente que diz que não sabe de nada, não viu nada. Tudo acontece em volta e ele não sabe. Depois vai à TV e diz que demitiu os ministros. Demitiu quem? Quem ele chama de companheiros.
Qual a avaliação que o senhor faz do Lula hoje?
Ele tem uma inteligência intuitiva muito forte. Tem um senso tático e prático. Não tem visão estratégica e nem a paciência para a administração. É muito bom comunicador. Está sempre em campanha, sempre comunicando. Ele se adapta às situações. É mais conservador do que eu imaginava.
E o governo?
Na área econômica, agiram com responsabilidade. O que foi definido em 1999 ficou: câmbio flutuante, superávit fiscal, Lei de Responsabilidade Fiscal, definição da taxa de juros em função de uma meta de inflação. No que diz respeito à abertura da economia, nós paramos. Na negociação comercial, não fizemos nada. Minha avaliação não é negativa nessa área. Na área social, o Bolsa-Família juntou o que já havia antes, mas tirou o nervo. Quando se faz um programa dessa natureza, não é só dar o dinheiro. É dar dinheiro para melhorar. Mas os requisitos diminuíram. Na saúde, não houve nenhum avanço importante. Na Previdência, o déficit é preocupante. A média de salário mínimo real do governo Lula, tirando esse último, é igual à do meu governo. Lula aumentou no último ano para ter impacto eleitoral. É uma esperteza. Não tenho uma avaliação negativa no conjunto das coisas. Acho que faltou comando, faltou rumo, mais eficiência na administração. Critico muito o aparelhismo de Estado, a nomeação indiscriminada. E esse sentimento de verdadeiro ou falso, de desorganização e de corrupção.
O senhor tem criticado o fato de o Lula perder espaço para o presidente Hugo Chávez na América Latina...
Lula não é Chávez, embora tenha sido eleito, em parte, na ilusão de que seria. Chávez simboliza o antiglobalização e o antiamericano. Lula não é antiamericano, se dá muito bem com o presidente Bush. E não é antiglobalização. Por isso, Chávez ganha espaço nessa área. Como Lula vem de um passado que passa a impressão de que era tudo isso, não tem condição de se opor a isso na política externa.
A Polícia Federal hoje prende mais gente. O Lula ressalta isso.
A essa afirmação de que nunca se prendeu tanto como hoje podemos dar outra. Nunca se roubou tanto como hoje.
Por causa desse governo?
Não acho que seja só isso. É mais complicado. A Polícia Federal foi se reaparelhando. Não havia concurso, fizemos concurso. Os primeiros banqueiros presos foram no meu período. O Jader Barbalho (senador e ex-governador do Pará) não foi algemado? Aquele processo sobre a Roseana Sarney (caso Lunus) não veio da Polícia Federal? É uma disputa que não tem sentido. É bom que haja isso. Se eu pudesse ter desbarato mais coisas que existissem, ficaria mais contente. É bom que a Polícia Federal seja cada vez mais um órgão de Estado. É a orientação que eu também imprimi. O Estado está melhorando.
domingo, 27 de agosto de 2006
Entrevista FHC
Postado por Atílio às 1:07 AM
Marcadores: Entrevistas
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