07/02/2006
O “legado” de Lula
Bruno Lima Rocha
Entramos no segundo mês de um ano eleitoral. Os primeiros sintomas dos meses que estão por vir indicam disputas por nominatas e não por programas. Mais uma vez o país entra em processo de competição eleitoral e não de debate programático. Se o governo de Luiz Inácio recebeu uma herança maldita de Fernando Henrique, com direito até a emenda constitucional permitindo a reeleição, seu legado será outro. Lula autonomizou o governo de seu partido, sobreviveu aos ataques dos últimos meses e caminha firme e forte rumo ao segundo turno. Manteve os rumos pré-traçados nos grandes acordos internacionais e tornou a eleição, no país mais importante de toda a América Latina, em assunto doméstico. Este é seu maior legado.
Agora já não cabe a choradeira da direita mais orgânica, como PFL e PSDB. Tivessem estes dois partidos se entendido há mais tempo, estabelecido uma coordenação estratégica, tendo como base um estilo nada “tucano”, à moda do senador Artur Virgílio (PSDB-AM), e as coisas seriam distintas. O resultado seria o aumento das probabilidades de Lula não chegar a disputar em 2006 a reeleição. Mesmo arriscando cair na vala comum, uma comparação irônica é inevitável. O PFL foi UDN de menos durante o ano de 2005. E, o PSDB não soube ser nem UDN, apesar dos esforços de políticos como os deputados Alberto Goldman (PSDB-SP) e Eduardo Paes (PSDB-RJ). Tampouco obteve condições de impor a fleuma do PSD, tão bem executada pelo estilo de FHC.
Um jeito “UDN” de fazer política teria ido com tudo para cima do Planalto. É verdade que os militares estão calmos e contentes, que não há mais bipolaridade mundial e tanto Jacareacanga como Aragarças já não ficam tão distantes assim do epicentro do país. Mas, se quisessem de fato terminar com o mandato do ex-metalúrgico, teriam de trincar a faca nos dentes e atacar sem pudor a estabilidade econômica do Brasil. Por sorte, mesmo as oligarquias mais atrasadas são conscientes dos riscos generalizados que isto implica. Optaram pelos ataques midiáticos via CPIs e não atingiram o centro nevrálgico do governo de fato. Isto é, incomodaram um pouco a Palocci, mas só um pouco. Henrique Meirelles, Murilo Portugal e o time do Copom pôde e pode seguir governando em berço esplêndido. A banca agradece as seguidas quebras de recorde no seu faturamento.
Em termos de programa estratégico, desenvolvimento com autodeterminação e divisão de renda, bem, quem leu a Carta ao Povo Brasileiro já devia estar à espera de um governo assim. Entramos na campanha da reeleição com números surpreendentes. Nada comparado com aquilo que foi prometido, embora qualquer um bem informado sabia que as metas não eram executáveis. Dentro do modelo da “herança maldita”, mesmo com a turbulência de Marcos Valério e Roberto Jefferson e a fritura do ex-Primeiro Ministro José Dirceu, a verdade é que o governo foi “bem”. Vejamos os porquês.
É preciso deixar tudo em pratos limpos em ano de eleições. Nem este artigo e muito menos este analista aqui estão envolvidos em candidatura alguma. Muito pelo contrário. Mas, dentro dos parâmetros pré-estabelecidos e acordados entre os agentes coletivos e atores políticos brasileiros de relevância, é preciso reconhecer que o governo de Luiz Inácio cumpriu seu papel.
O primeiro e mais importante, o de manter a estabilidade monetária e a economia patinando sem nenhuma bolha de crescimento, foi atingido. A 11ª economia do mundo cresce a passos de lesma, pegando carona no bom momento da economia mundial e fincando pé, no antes já superado modelo exportador. Fizemos a lição de casa e terminamos o ciclo de estudos aplaudidos pelos monitores do FMI. Como bons ex-alunos, até antecipamos parcelas de pagamentos. Enquanto isso, aqui no país, os bilhões de dólares enviados fazem uma falta enorme. A “buracobrás” do DNIT e os Batalhões de Engenharia do Exército sabem muito bem o seu significado.
O segundo papel, o de exercer a governabilidade contabilizando um número amplo e heterodoxo de aliados, também foi cumprido. O controle da economia foi terceirizado com uma equipe monetarista, que até 1º de janeiro de 2003 era declaradamente tucana. Ministérios centrais para o aumento da participação popular terminaram por serem entregues a homens de confiança de seus respectivos ramos de indústria. É o caso de Luiz Fernando Furlan na Indústria e Comércio e escandalosamente, o de Hélio Costa na pasta das Comunicações. Aliados históricos do PT e de Lula, como o Fórum Nacional pela Democratização das Comunicações (FNDC) e a Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço) ficaram a ver navios. Simultaneamente, o mandato de Lula bate recordes de fechamento de rádios comunitárias.
Ainda no segundo papel, no que diz respeito a cotas de ministérios, tudo se manteve no devido lugar. Dividido o botim entre caciques de partidos movidos por interesses materiais diretos, o poder de controle do Estado foi repartido. Estão no reparto o próprio núcleo duro do Planalto e aliados de última hora como PTB, PP, atores individuais como Ciro Gomes e setores do PMDB. Estes últimos, capitaneados por gente como o maranhense José Sarney e o alagoano Renan Calheiros. Não por acaso estes caciques do Nordeste estão muito contentes com o mandato do conterrâneo pernambucano. Também não por acaso, apesar do crescimento desnacionalizante que ocorre em partes da Região, no sertão continua a mesma seca e completa falta de assistência e infra-estrutura. É no controle sobre as mídias estaduais e a máquina pública que reside a capacidade da oligarquia se manter dominante. Lula e seu partido bem sabem disso e nada fizeram para alterar esta correlação de forças.
Por fim, o terceiro papel e talvez o mais importante, foi executado de forma perfeita. O mandato de um presidente metalúrgico e com trajetória sindical não resultou em nenhum avanço concreto de exercício de poder e capacidade de barganha por parte dos movimentos populares. Muito pelo contrário. A CUT fez-se governo e está cada vez mais paralisada. Como ferramenta reivindicatória, quase não têm mais funcionamento.
Onde poderia dar problemas, a sabedoria antiga prevaleceu. Lula dividiu para reinar, entregando o Ministério da Agricultura para o modelo exportador com Roberto Rodrigues à frente. Já no Desenvolvimento Agrário (MDA), pôs a um homem da DS, Miguel Rossetto, sem verba nem muita vontade política. Quanto aos movimentos urbanos, uma simples observação basta. O ex-governador gaúcho Olívio Dutra, homem das bases pastorais, voltou de Brasília para o Rio Grande substituído por um tecnocrata indicado por Severino Cavalcanti. Precisa dizer mais?
Duas gritantes constatações concluem este artigo. A primeira, e mais que sabida, é que Lula está no páreo. Sobreviveu aos ataques e apresenta números razoavelmente expressivos se comparados com o governo anterior. A segunda, também é de conhecimento coletivo mas poucas vezes é expressa nas análises. O governo de um operário não representou nenhum aumento de força social para os setores organizados das classes populares no Brasil.
Tudo permanece no seu devido lugar e uma lição vai sendo duramente aprendida. O caminho do poder e do exercício de vontade política do povo é mais longo e difícil do que aparenta, podendo passar ou não pelas urnas e o Planalto. O governo de Lula é a prova cabal disto.
Bruno Lima Rocha é cientista político
www.estrategiaeanalise.com.br
O “legado” de Lula
Bruno Lima Rocha
Entramos no segundo mês de um ano eleitoral. Os primeiros sintomas dos meses que estão por vir indicam disputas por nominatas e não por programas. Mais uma vez o país entra em processo de competição eleitoral e não de debate programático. Se o governo de Luiz Inácio recebeu uma herança maldita de Fernando Henrique, com direito até a emenda constitucional permitindo a reeleição, seu legado será outro. Lula autonomizou o governo de seu partido, sobreviveu aos ataques dos últimos meses e caminha firme e forte rumo ao segundo turno. Manteve os rumos pré-traçados nos grandes acordos internacionais e tornou a eleição, no país mais importante de toda a América Latina, em assunto doméstico. Este é seu maior legado.
Agora já não cabe a choradeira da direita mais orgânica, como PFL e PSDB. Tivessem estes dois partidos se entendido há mais tempo, estabelecido uma coordenação estratégica, tendo como base um estilo nada “tucano”, à moda do senador Artur Virgílio (PSDB-AM), e as coisas seriam distintas. O resultado seria o aumento das probabilidades de Lula não chegar a disputar em 2006 a reeleição. Mesmo arriscando cair na vala comum, uma comparação irônica é inevitável. O PFL foi UDN de menos durante o ano de 2005. E, o PSDB não soube ser nem UDN, apesar dos esforços de políticos como os deputados Alberto Goldman (PSDB-SP) e Eduardo Paes (PSDB-RJ). Tampouco obteve condições de impor a fleuma do PSD, tão bem executada pelo estilo de FHC.
Um jeito “UDN” de fazer política teria ido com tudo para cima do Planalto. É verdade que os militares estão calmos e contentes, que não há mais bipolaridade mundial e tanto Jacareacanga como Aragarças já não ficam tão distantes assim do epicentro do país. Mas, se quisessem de fato terminar com o mandato do ex-metalúrgico, teriam de trincar a faca nos dentes e atacar sem pudor a estabilidade econômica do Brasil. Por sorte, mesmo as oligarquias mais atrasadas são conscientes dos riscos generalizados que isto implica. Optaram pelos ataques midiáticos via CPIs e não atingiram o centro nevrálgico do governo de fato. Isto é, incomodaram um pouco a Palocci, mas só um pouco. Henrique Meirelles, Murilo Portugal e o time do Copom pôde e pode seguir governando em berço esplêndido. A banca agradece as seguidas quebras de recorde no seu faturamento.
Em termos de programa estratégico, desenvolvimento com autodeterminação e divisão de renda, bem, quem leu a Carta ao Povo Brasileiro já devia estar à espera de um governo assim. Entramos na campanha da reeleição com números surpreendentes. Nada comparado com aquilo que foi prometido, embora qualquer um bem informado sabia que as metas não eram executáveis. Dentro do modelo da “herança maldita”, mesmo com a turbulência de Marcos Valério e Roberto Jefferson e a fritura do ex-Primeiro Ministro José Dirceu, a verdade é que o governo foi “bem”. Vejamos os porquês.
É preciso deixar tudo em pratos limpos em ano de eleições. Nem este artigo e muito menos este analista aqui estão envolvidos em candidatura alguma. Muito pelo contrário. Mas, dentro dos parâmetros pré-estabelecidos e acordados entre os agentes coletivos e atores políticos brasileiros de relevância, é preciso reconhecer que o governo de Luiz Inácio cumpriu seu papel.
O primeiro e mais importante, o de manter a estabilidade monetária e a economia patinando sem nenhuma bolha de crescimento, foi atingido. A 11ª economia do mundo cresce a passos de lesma, pegando carona no bom momento da economia mundial e fincando pé, no antes já superado modelo exportador. Fizemos a lição de casa e terminamos o ciclo de estudos aplaudidos pelos monitores do FMI. Como bons ex-alunos, até antecipamos parcelas de pagamentos. Enquanto isso, aqui no país, os bilhões de dólares enviados fazem uma falta enorme. A “buracobrás” do DNIT e os Batalhões de Engenharia do Exército sabem muito bem o seu significado.
O segundo papel, o de exercer a governabilidade contabilizando um número amplo e heterodoxo de aliados, também foi cumprido. O controle da economia foi terceirizado com uma equipe monetarista, que até 1º de janeiro de 2003 era declaradamente tucana. Ministérios centrais para o aumento da participação popular terminaram por serem entregues a homens de confiança de seus respectivos ramos de indústria. É o caso de Luiz Fernando Furlan na Indústria e Comércio e escandalosamente, o de Hélio Costa na pasta das Comunicações. Aliados históricos do PT e de Lula, como o Fórum Nacional pela Democratização das Comunicações (FNDC) e a Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço) ficaram a ver navios. Simultaneamente, o mandato de Lula bate recordes de fechamento de rádios comunitárias.
Ainda no segundo papel, no que diz respeito a cotas de ministérios, tudo se manteve no devido lugar. Dividido o botim entre caciques de partidos movidos por interesses materiais diretos, o poder de controle do Estado foi repartido. Estão no reparto o próprio núcleo duro do Planalto e aliados de última hora como PTB, PP, atores individuais como Ciro Gomes e setores do PMDB. Estes últimos, capitaneados por gente como o maranhense José Sarney e o alagoano Renan Calheiros. Não por acaso estes caciques do Nordeste estão muito contentes com o mandato do conterrâneo pernambucano. Também não por acaso, apesar do crescimento desnacionalizante que ocorre em partes da Região, no sertão continua a mesma seca e completa falta de assistência e infra-estrutura. É no controle sobre as mídias estaduais e a máquina pública que reside a capacidade da oligarquia se manter dominante. Lula e seu partido bem sabem disso e nada fizeram para alterar esta correlação de forças.
Por fim, o terceiro papel e talvez o mais importante, foi executado de forma perfeita. O mandato de um presidente metalúrgico e com trajetória sindical não resultou em nenhum avanço concreto de exercício de poder e capacidade de barganha por parte dos movimentos populares. Muito pelo contrário. A CUT fez-se governo e está cada vez mais paralisada. Como ferramenta reivindicatória, quase não têm mais funcionamento.
Onde poderia dar problemas, a sabedoria antiga prevaleceu. Lula dividiu para reinar, entregando o Ministério da Agricultura para o modelo exportador com Roberto Rodrigues à frente. Já no Desenvolvimento Agrário (MDA), pôs a um homem da DS, Miguel Rossetto, sem verba nem muita vontade política. Quanto aos movimentos urbanos, uma simples observação basta. O ex-governador gaúcho Olívio Dutra, homem das bases pastorais, voltou de Brasília para o Rio Grande substituído por um tecnocrata indicado por Severino Cavalcanti. Precisa dizer mais?
Duas gritantes constatações concluem este artigo. A primeira, e mais que sabida, é que Lula está no páreo. Sobreviveu aos ataques e apresenta números razoavelmente expressivos se comparados com o governo anterior. A segunda, também é de conhecimento coletivo mas poucas vezes é expressa nas análises. O governo de um operário não representou nenhum aumento de força social para os setores organizados das classes populares no Brasil.
Tudo permanece no seu devido lugar e uma lição vai sendo duramente aprendida. O caminho do poder e do exercício de vontade política do povo é mais longo e difícil do que aparenta, podendo passar ou não pelas urnas e o Planalto. O governo de Lula é a prova cabal disto.
Bruno Lima Rocha é cientista político
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