Chovendo no molhado
Zuenir Ventura, O Globo
Não é de hoje que chove torrencialmente no verão, que rios transbordam, que correntezas arrastam pontes, que enxurradas derrubam casas, que estradas viram crateras, e que autoridades alegam ter sido apanhadas de surpresa (delas recolhi algumas pérolas: “a natureza é imprevisível”, “ela às vezes se rebela”, “não há o que fazer, a não ser rezar para que isso não se repita”).
Acho que cada morador do Rio pode escrever sua história pessoal através das enchentes a que assistiu. Para não ir muito longe — a 1711, por exemplo, quando se registrou pela primeira vez a ocorrência de grandes inundações na cidade —, basta recordar algumas tragédias marcantes causadas pelas águas de janeiro, fevereiro ou março. A mais lembrada costuma ser a de 1966, quando chuvas de uma semana provocaram desabamentos com a morte de 250 pessoas e 50 mil desabrigados.
No ano seguinte, houve soterramento de uma casa e dois edifícios em Laranjeiras, com 200 mortos e 300 feridos. E assim por diante. De 2000 a 2011, calcula-se que cerca de três mil pessoas morreram em consequência de desastres naturais.
Para mim, a rotina começou em 1942, quando minha família mudou-se de Ponte Nova para Nova Friburgo, percorrendo mais ou menos o mesmo roteiro das regiões atingidas agora: Zona da Mata mineira e serra fluminense. Viajando num velho trem da Leopoldina Railway, levamos quase uma semana para chegar ao destino, entre paradas e baldeações.
Chuvas fortes ininterruptas, estradas interrompidas, pontes arrastadas, barreiras caídas, mortes, desabrigados, o mesmo estado de calamidade. Parece que foi hoje. A repetição do óbvio. Um ano depois da tragédia que matou 900 pessoas em Friburgo e sete décadas após nossa acidentada mudança para aquela cidade serrana, as autoridades continuam chovendo no molhado.
Zuenir Ventura, O Globo
Não é de hoje que chove torrencialmente no verão, que rios transbordam, que correntezas arrastam pontes, que enxurradas derrubam casas, que estradas viram crateras, e que autoridades alegam ter sido apanhadas de surpresa (delas recolhi algumas pérolas: “a natureza é imprevisível”, “ela às vezes se rebela”, “não há o que fazer, a não ser rezar para que isso não se repita”).
Acho que cada morador do Rio pode escrever sua história pessoal através das enchentes a que assistiu. Para não ir muito longe — a 1711, por exemplo, quando se registrou pela primeira vez a ocorrência de grandes inundações na cidade —, basta recordar algumas tragédias marcantes causadas pelas águas de janeiro, fevereiro ou março. A mais lembrada costuma ser a de 1966, quando chuvas de uma semana provocaram desabamentos com a morte de 250 pessoas e 50 mil desabrigados.
No ano seguinte, houve soterramento de uma casa e dois edifícios em Laranjeiras, com 200 mortos e 300 feridos. E assim por diante. De 2000 a 2011, calcula-se que cerca de três mil pessoas morreram em consequência de desastres naturais.
Para mim, a rotina começou em 1942, quando minha família mudou-se de Ponte Nova para Nova Friburgo, percorrendo mais ou menos o mesmo roteiro das regiões atingidas agora: Zona da Mata mineira e serra fluminense. Viajando num velho trem da Leopoldina Railway, levamos quase uma semana para chegar ao destino, entre paradas e baldeações.
Chuvas fortes ininterruptas, estradas interrompidas, pontes arrastadas, barreiras caídas, mortes, desabrigados, o mesmo estado de calamidade. Parece que foi hoje. A repetição do óbvio. Um ano depois da tragédia que matou 900 pessoas em Friburgo e sete décadas após nossa acidentada mudança para aquela cidade serrana, as autoridades continuam chovendo no molhado.
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