Vinte anos depois, a Rússia ainda procura um caminho
O que parecia ser uma primavera ainda não conseguiu sair de um tenebroso e frio inverno21 de Dezembro de 2011 às 20:55
João José Forni
A Rússia assistiu nos últimos dias ao maior protesto popular acontecido no país desde a dissolução da União Soviética em 21 de dezembro de 1991. Certamente desde 1917. Porque não consta na história dos 74 anos de regime comunista qualquer manifestação do gênero. Milhares de pessoas nas ruas protestaram contra o resultado das eleições legislativas de 4 de dezembro, vencidas pelo partido do primeiro-ministro Vladimir Putin. Extravasaram um cansaço com os grupos que dominam o poder há 20 anos.
Na opinião de manifestantes, os russos marcharam contra a corrupção, a fraude eleitoral e o fracasso do governo em cumprir com o dever de proteger os cidadãos. O fato é emblemático, não apenas por ter acontecido num país de tradição histórica repressiva e avesso a atos desse quilate, mas pelo momento histórico de pressões populares cada vez mais violentas contra ditaduras e regimes fechados. No mundo árabe, as marchas por abertura política, e até nos países do primeiro mundo, contra a crise econômica, assustam governantes acomodados e surdos. Daí por que o governo russo, antes que fosse tarde, apressou-se em reprimir arroubos maiores dos manifestantes.
Todos se lembram do que aconteceu em 1989, quando o regime comunista começou a ruir, simbolizado pela multidão que rompeu as fronteiras da Alemanha Oriental para o Ocidente. Quem esquece as cenas históricas da massa popular subindo e destruindo o triste Muro de Berlim, símbolo vergonhoso da divisão do mundo, que separava as duas Alemanhas, desde 1961?
Durante dois anos, as repúblicas socialistas soviéticas, integrantes da antiga URSS, começaram a se esfacelar, com declarações de independência, num movimento em cadeia que afrontou Moscou. O efeito manada contaminou repúblicas que viveram 72 anos sob controle absoluto do Kremlim . Nem o carisma de Mikhail Gorbachev, o badalado mentor da “glasnost” (transparência) e da perestroika (reestruturação), a abertura russa que levou ao fim da Guerra Fria e à débâcle do comunismo, conseguiu impedir a dissolução do império.
Idealistas do Ocidente viram a desintegração da Rússia como um inevitável triunfo da democracia, até mesmo como “o fim da história”. Os comunistas mais ortodoxos, demonizaram o momento como o “a maior catástrofe geopolítica do século”. Entre uns e outros, o que restou da União Soviética oscilou nos extremos – uma mistura de nações, totalizando um sexto da massa de terra do mundo, completamente diferentes umas das outras. E países pequenos, pouco conhecidos, mas promissores quanto ao futuro.
Além de etnias variadas, alguns são democracias genuínas. Outros, imitações pouco convincentes ou cínicas, numa definição histórico-política difícil de definir, como admitiu o jornal britânico The Guardian. Segundo associações defensoras de liberdades políticas, três das 15 ex-repúblicas soviéticas são consideradas livres, sete não são livres e outras cinco têm um regime esquizofrênico, entre uma e outra forma política.
A Rússia está classificada entre as “não livres”, principalmente após a era Putin, o atual todo poderoso primeiro-ministro. A oposição foi oprimida e manifestações contrárias ao regime atual são reprimidas com violência, como aconteceu no último fim de semana.
Vinte anos depois, o que parecia ser uma primavera ainda não conseguiu sair de um tenebroso e frio inverno. A nova Rússia herdou muitos defeitos do antigo regime e não assimilou sequer algumas virtudes da democracia. Acabou criando um governo centralizador, que não soube construir uma democracia forte e participativa, à altura da importância histórica e do poderio da Rússia, no século XX.
Embevecidos pela abertura e lampejos de liberdade, tantos anos restrita, os soviéticos sofreram com privatizações suspeitas e com guerras e revoltas com os antigos aliados, como aconteceu com a Chechênia e a Geórgia, até hoje pedras no sapato do governo de Moscou. Movimentos de separação continuam a assombrar as ex-repúblicas soviéticas, gerando uma permanente instabilidade na região. A corrupção, essa praga tão conhecida de outros países, mais abaixo do Equador, contaminou muitos negócios e até a repressão às liberdades, com mortes suspeitas de jornalistas e desafetos políticos, mancham a história moderna do país.
Nesta semana, quando se comemoram 20 anos da dissolução da União Soviética, o Ocidente olha para aquele grande país com muitas interrogações. As riquezas naturais, principalmente petróleo, e a rica história da ex-república soviética não dão segurança aos russos de que o futuro será um pouco melhor do que os últimos vinte anos.
João José Forni é jornalista, consultor de comunicação e editor do site www.comunicacaoecrise.com.
O que parecia ser uma primavera ainda não conseguiu sair de um tenebroso e frio inverno21 de Dezembro de 2011 às 20:55
João José Forni
A Rússia assistiu nos últimos dias ao maior protesto popular acontecido no país desde a dissolução da União Soviética em 21 de dezembro de 1991. Certamente desde 1917. Porque não consta na história dos 74 anos de regime comunista qualquer manifestação do gênero. Milhares de pessoas nas ruas protestaram contra o resultado das eleições legislativas de 4 de dezembro, vencidas pelo partido do primeiro-ministro Vladimir Putin. Extravasaram um cansaço com os grupos que dominam o poder há 20 anos.
Na opinião de manifestantes, os russos marcharam contra a corrupção, a fraude eleitoral e o fracasso do governo em cumprir com o dever de proteger os cidadãos. O fato é emblemático, não apenas por ter acontecido num país de tradição histórica repressiva e avesso a atos desse quilate, mas pelo momento histórico de pressões populares cada vez mais violentas contra ditaduras e regimes fechados. No mundo árabe, as marchas por abertura política, e até nos países do primeiro mundo, contra a crise econômica, assustam governantes acomodados e surdos. Daí por que o governo russo, antes que fosse tarde, apressou-se em reprimir arroubos maiores dos manifestantes.
Todos se lembram do que aconteceu em 1989, quando o regime comunista começou a ruir, simbolizado pela multidão que rompeu as fronteiras da Alemanha Oriental para o Ocidente. Quem esquece as cenas históricas da massa popular subindo e destruindo o triste Muro de Berlim, símbolo vergonhoso da divisão do mundo, que separava as duas Alemanhas, desde 1961?
Durante dois anos, as repúblicas socialistas soviéticas, integrantes da antiga URSS, começaram a se esfacelar, com declarações de independência, num movimento em cadeia que afrontou Moscou. O efeito manada contaminou repúblicas que viveram 72 anos sob controle absoluto do Kremlim . Nem o carisma de Mikhail Gorbachev, o badalado mentor da “glasnost” (transparência) e da perestroika (reestruturação), a abertura russa que levou ao fim da Guerra Fria e à débâcle do comunismo, conseguiu impedir a dissolução do império.
Idealistas do Ocidente viram a desintegração da Rússia como um inevitável triunfo da democracia, até mesmo como “o fim da história”. Os comunistas mais ortodoxos, demonizaram o momento como o “a maior catástrofe geopolítica do século”. Entre uns e outros, o que restou da União Soviética oscilou nos extremos – uma mistura de nações, totalizando um sexto da massa de terra do mundo, completamente diferentes umas das outras. E países pequenos, pouco conhecidos, mas promissores quanto ao futuro.
Além de etnias variadas, alguns são democracias genuínas. Outros, imitações pouco convincentes ou cínicas, numa definição histórico-política difícil de definir, como admitiu o jornal britânico The Guardian. Segundo associações defensoras de liberdades políticas, três das 15 ex-repúblicas soviéticas são consideradas livres, sete não são livres e outras cinco têm um regime esquizofrênico, entre uma e outra forma política.
A Rússia está classificada entre as “não livres”, principalmente após a era Putin, o atual todo poderoso primeiro-ministro. A oposição foi oprimida e manifestações contrárias ao regime atual são reprimidas com violência, como aconteceu no último fim de semana.
Vinte anos depois, o que parecia ser uma primavera ainda não conseguiu sair de um tenebroso e frio inverno. A nova Rússia herdou muitos defeitos do antigo regime e não assimilou sequer algumas virtudes da democracia. Acabou criando um governo centralizador, que não soube construir uma democracia forte e participativa, à altura da importância histórica e do poderio da Rússia, no século XX.
Embevecidos pela abertura e lampejos de liberdade, tantos anos restrita, os soviéticos sofreram com privatizações suspeitas e com guerras e revoltas com os antigos aliados, como aconteceu com a Chechênia e a Geórgia, até hoje pedras no sapato do governo de Moscou. Movimentos de separação continuam a assombrar as ex-repúblicas soviéticas, gerando uma permanente instabilidade na região. A corrupção, essa praga tão conhecida de outros países, mais abaixo do Equador, contaminou muitos negócios e até a repressão às liberdades, com mortes suspeitas de jornalistas e desafetos políticos, mancham a história moderna do país.
Nesta semana, quando se comemoram 20 anos da dissolução da União Soviética, o Ocidente olha para aquele grande país com muitas interrogações. As riquezas naturais, principalmente petróleo, e a rica história da ex-república soviética não dão segurança aos russos de que o futuro será um pouco melhor do que os últimos vinte anos.
João José Forni é jornalista, consultor de comunicação e editor do site www.comunicacaoecrise.com.
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