A crise libanesa deixa claro por que o presidente palestino, Mahmoud Abbas, pediu ao Brasil que solicitasse ao Irã o fim da ingerência. Pedido que, infelizmente para o projeto de uma Palestina independente, e por razões ainda obscuras, o Itamaraty não julgou do próprio interesse encaminhar
Em dezembro o Brasil deu um passo adiante e reconheceu formalmente a existência de um Estado Palestino nos territórios entre o Jordão e o Mediterrâneo que estiveram em poder da Jordânia e do Egito de 1949 a 1967.
Classifiquei aqui a decisão como essencialmente positiva e afirmei que ela ajudava na busca de uma solução pacífica para o problema regional.
Notei também que a posição brasileira sobre o formato final das fronteiras entre Israel e Palestina era pouco relevante, pois num cenário de solução negociada os limites seriam definidos por acordo.
Importava mesmo era o Brasil reafirmar que a paz e a segurança ali só serão alcançadas com o amplo reconhecimento do direito de todos os povos na região à afirmação nacional soberana. O reconhecimento de que ambos os nacionalismos (o sionista e o árabe) têm legitimidade.
Aliás, o nacionalismo árabe na Palestina e o sionismo são praticamente contemporâneos na origem, ainda que o o segundo seja um pouquinho mais antigo.
Agora vazam informações sobre o estágio de entendimentos anos atrás entre Israel e Autoridade Palestina (AP). Segundo os vazamentos, havia terreno para uma convergência nos temas essenciais, territoriais e demográficos. Há alguma polêmica sobre detalhes secundários, mas as informações têm verossimilhança.
É um equívoco imaginar que a paz e a segurança no Oriente Médio dependem de encontrar soluções complexas para problemas intrincadíssimos. Os problemas são conhecidos e as soluções, apesar de múltiplas, convergem em parâmetros simples.
Dois estados vivendo lado a lado em segurança, com o reconhecimento das realidades demográficas. E, preliminarmente, a admissão recíproca do direito do outro à autodeterminação e à segurança.
Essa é a decisão política que falta tomar. Para a AP, se de fato está disposta a ir além do ponto em que Yasser Arafat estacionou uma década atrás em Camp David, seria uma posição patriótica.
Se os palestinos tivessem aproveitado no últimos quase cem anos alguma das oportunidades que tiveram para reconhecer a realidade no terreno estariam bem mais avançados em seu projeto nacional. No tudo ou nada, têm invariavelmente restado com a segunda opção.
Qual é o obstáculo, então? O propalado radicalismo da “rua árabe” é um mito, haveria apoio político ao entendimento. As dificuldades tem um viés, digamos, libanês.
Uma liderança palestina que abdicasse formalmente do objetivo de destruir Israel colocaria o próprio pescoço na guilhotina. Viraria alvo imediatamente de um processo de deslegitimação e mesmo eliminação física pelo eixo Irã-Hamas-Hezbollah, com a eventual participação síria.
Aliás, esse eixo tem hoje força para deflagrar uma guerra civil na Palestina se não estiver satisfeito com o andamento das coisas. Mais ou menos como acontece no Líbano, onde o Hezbollah exige a impunidade de seus militantes que eventualmente forem indiciados pelo assassinato do premiê Rafik Hariri em 2005.
O grupo prefere acusar o tribunal das Nações Unidas que conduz a investigação sobre o caso de ser um instrumento dos Estados Unidos e de Israel.
Mas é razoável supor que se a investigação da ONU sobre a recente guerra em Gaza mereceu crédito o mesmo deverá acontecer com as conclusões do tribunal internacional sobre o caso Hariri.
O Hezbollah perdeu as últimas eleições mas tem força militar para exercer poder de veto na política libanesa.
E usa a musculatura de “estado dentro do Estado”, sob a aura da "resistência" a uma ocupação que não mais existe, para chantagear a nação com a ameaça de uma nova guerra civil, se seus integrantes que vierem a ser acusados de matar Hariri forem levados ao banco dos réus.
Em escala maior, é o que passaria num cenário de possível acordo equilibrado e justo entre a Palestina e Israel. O Irã reivindicaria poder de veto. Caso estivesse de posse de armas nucleares, essa reivindicação teria outro peso.
O Líbano ajuda a compreender por que o presidente da AP, Mahmoud Abbas, pediu ao então presidente do Brasil que solicitasse a Teerã o fim da ingerência nos assuntos palestinos. Pedido que, infelizmente para o projeto de uma Palestina independente, e por razões ainda obscuras, o Itamaraty não julgou do próprio interesse encaminhar.
Coluna (Nas entrelinhas) publicada nesta terça no Correio Braziliense.
Alon Feuerwerker
Em dezembro o Brasil deu um passo adiante e reconheceu formalmente a existência de um Estado Palestino nos territórios entre o Jordão e o Mediterrâneo que estiveram em poder da Jordânia e do Egito de 1949 a 1967.
Classifiquei aqui a decisão como essencialmente positiva e afirmei que ela ajudava na busca de uma solução pacífica para o problema regional.
Notei também que a posição brasileira sobre o formato final das fronteiras entre Israel e Palestina era pouco relevante, pois num cenário de solução negociada os limites seriam definidos por acordo.
Importava mesmo era o Brasil reafirmar que a paz e a segurança ali só serão alcançadas com o amplo reconhecimento do direito de todos os povos na região à afirmação nacional soberana. O reconhecimento de que ambos os nacionalismos (o sionista e o árabe) têm legitimidade.
Aliás, o nacionalismo árabe na Palestina e o sionismo são praticamente contemporâneos na origem, ainda que o o segundo seja um pouquinho mais antigo.
Agora vazam informações sobre o estágio de entendimentos anos atrás entre Israel e Autoridade Palestina (AP). Segundo os vazamentos, havia terreno para uma convergência nos temas essenciais, territoriais e demográficos. Há alguma polêmica sobre detalhes secundários, mas as informações têm verossimilhança.
É um equívoco imaginar que a paz e a segurança no Oriente Médio dependem de encontrar soluções complexas para problemas intrincadíssimos. Os problemas são conhecidos e as soluções, apesar de múltiplas, convergem em parâmetros simples.
Dois estados vivendo lado a lado em segurança, com o reconhecimento das realidades demográficas. E, preliminarmente, a admissão recíproca do direito do outro à autodeterminação e à segurança.
Essa é a decisão política que falta tomar. Para a AP, se de fato está disposta a ir além do ponto em que Yasser Arafat estacionou uma década atrás em Camp David, seria uma posição patriótica.
Se os palestinos tivessem aproveitado no últimos quase cem anos alguma das oportunidades que tiveram para reconhecer a realidade no terreno estariam bem mais avançados em seu projeto nacional. No tudo ou nada, têm invariavelmente restado com a segunda opção.
Qual é o obstáculo, então? O propalado radicalismo da “rua árabe” é um mito, haveria apoio político ao entendimento. As dificuldades tem um viés, digamos, libanês.
Uma liderança palestina que abdicasse formalmente do objetivo de destruir Israel colocaria o próprio pescoço na guilhotina. Viraria alvo imediatamente de um processo de deslegitimação e mesmo eliminação física pelo eixo Irã-Hamas-Hezbollah, com a eventual participação síria.
Aliás, esse eixo tem hoje força para deflagrar uma guerra civil na Palestina se não estiver satisfeito com o andamento das coisas. Mais ou menos como acontece no Líbano, onde o Hezbollah exige a impunidade de seus militantes que eventualmente forem indiciados pelo assassinato do premiê Rafik Hariri em 2005.
O grupo prefere acusar o tribunal das Nações Unidas que conduz a investigação sobre o caso de ser um instrumento dos Estados Unidos e de Israel.
Mas é razoável supor que se a investigação da ONU sobre a recente guerra em Gaza mereceu crédito o mesmo deverá acontecer com as conclusões do tribunal internacional sobre o caso Hariri.
O Hezbollah perdeu as últimas eleições mas tem força militar para exercer poder de veto na política libanesa.
E usa a musculatura de “estado dentro do Estado”, sob a aura da "resistência" a uma ocupação que não mais existe, para chantagear a nação com a ameaça de uma nova guerra civil, se seus integrantes que vierem a ser acusados de matar Hariri forem levados ao banco dos réus.
Em escala maior, é o que passaria num cenário de possível acordo equilibrado e justo entre a Palestina e Israel. O Irã reivindicaria poder de veto. Caso estivesse de posse de armas nucleares, essa reivindicação teria outro peso.
O Líbano ajuda a compreender por que o presidente da AP, Mahmoud Abbas, pediu ao então presidente do Brasil que solicitasse a Teerã o fim da ingerência nos assuntos palestinos. Pedido que, infelizmente para o projeto de uma Palestina independente, e por razões ainda obscuras, o Itamaraty não julgou do próprio interesse encaminhar.
Coluna (Nas entrelinhas) publicada nesta terça no Correio Braziliense.
Alon Feuerwerker
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