quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Dilma e os tempos da política (3 jan. 2010)

Dilma e os tempos da política (3 jan. 2010)

A política conhece muitos tempos. Ora exerce seus efeitos na longa duração, em que o movimento que ela ativa é quase imperceptível à observação, embora arraste os caminhos da vida inexoravelmente para uma dada direção, como se cumprisse, diria Tocqueville, um mandato da Providência. Sob o primado desse tempo, a política ficaria como que subsumida ao lento andamento das estruturas, condenando as ações do ator, que não saberia interpretá-lo e a agir de acordo com ele, a uma mera e estéril agitação.

Ora, contrariamente, o seu tempo se encurta, e o transcurso do seu enredo passa a depender da vontade e da capacidade de ação dos atores envolvidos em sua trama. Temos conhecido várias formas de manifestação desses tempos da política, desde a lentidão paquidérmica do 2º Reinado às repentinas acelerações dos anos 1950/60 — exemplar os 50 anos em 5 de JK —, até essa forma que se tornou presente nesses 16 anos de governos do PSDB e do PT, em que ator e estruturas como que se ajustam entre si em favor da obra continuada de consolidação e aprofundamento do capitalismo no país.

Esse tempo de média duração, que já se projeta por mais quatro anos no mandato presidencial de Dilma, continha, no entanto, uma forte possibilidade de ser subvertido: a proposta de uma emenda constitucional que viesse a dispor sobre a possibilidade de um terceiro mandato para Lula. Bastava isso para interromper a rota aprazível, com tempos previsíveis e calculáveis, em que seguimos em marcha quase lenta, para sermos devolvidos à política de conflitos agonísticos de um passado recente. O terceiro mandato somente poderia se justificar em nome de um novo começo para o governo do PT, um retorno à pureza das origens perdida com o que teria sido o passo malfadado, mas obrigatório, em sua própria avaliação, da Carta aos brasileiros.

Evidente que os ensaios para o terceiro mandato não povoavam apenas a imaginação de Lula, compartilhados por vários do seu entorno. Projetos de emenda constitucional andaram sendo apresentados, e, como sabido, jabuti não sobe em árvore. A decisão, porém, inequivocamente coube a ele, que evitou atravessar aquele Rubicão que mudaria o seu destino e o da República. As sombras que anuviavam as vésperas da posse de Dilma, e que devem acompanhar o início do seu governo, diante de um presidente resplandecente de popularidade, mas no ocaso do seu mandato, provêm do drama pessoal e político que terminou pelo ato de vontade de Lula ao recusar o atalho que tinha à sua frente.

Uma alternativa seria a de confiar os destinos da política ao seu partido, sequer cogitada. A opção de Lula foi a de escolher, entre os quadros de confiança do seu governo, uma candidata em cuja campanha se empenharia, como se candidato fosse, pela sua vitória eleitoral. E daí, um terceiro mandato por interposta pessoa? Ou um gabinete das sombras, eventual crítico do governo de Dilma e sem com ele se comprometer, na preparação de um retorno triunfal na próxima sucessão?

Se um terceiro mandato para Lula somente faria sentido se implicasse um giro radical em favor de uma ética de convicção orientada para os fins de uma política tida, afinal, como justa e desejável, sua recusa a esse caminho não concede a Dilma se não o da ética da responsabilidade, inclusive por razões de estilo pessoal, arredia como é a expressividade própria ao carisma.

O governo de Dilma se vê, assim, desde o seu início, confrontado pela necessidade de eliminar os ruídos que ainda lhe chegam dos tempos em que a tentação do terceiro mandato parecia atraente e de eventuais remorsos pela decisão que o recusou.

Algo dessas marcas está aí presente nesse momento do seu nascimento, reclamando que imponha logo e com precisão os rumos do seu governo.

Dado que seu mandato está de, algum modo, vinculado à herança da obra dos seus antecessores, de antemão pode-se avaliar que a aceleração do tempo não será mobilizada como recurso político. Tudo indica que, com ela e seus homens de governo, ficam para trás veleidades de uma política de modernização pelo alto, que sempre ronda a nossa história republicana com a sua tradição de autoritarismo político.

À sua frente os desafios são imensos, a começar pelas políticas públicas destinadas à saúde e à educação, catástrofes nacionais, e pelas incertezas postas no horizonte pela economia-mundo.

A dimensão sistêmica da economia será enfrentada pelos especialistas integrantes do seu governo, e deverá contar com sua participação, ao que parece com tirocínio na matéria. Mas, qualquer que seja a orientação adotada, ela se verá condicionada, por mais insulada que esteja dos partidos políticos e da sociedade civil, a dialogar com o já vasto circuito, na universidade e na imprensa, inclusive a sindical, de formação da opinião em assuntos econômicos. A ética da responsabilidade, via que se impôs à nova governante, é propícia à lógica da vida republicana, e, como tal, é de se esperar maior influência da política sobre os rumos da economia.

De outra parte, a urgência da questão social, enfaticamente patente nos episódios do Rio de Janeiro, em particular com a ocupação político-militar do Complexo do Alemão, demonstra com clareza que incorporar à cidade milhões de pessoas à margem dos seus valores é obra que transcende em muito a capacidade do Estado e de suas agências. Sem a mobilização da sociedade civil, em uma ação politicamente concertada, não há bom futuro para uma simples ocupação militar. Os indicadores estão à vista de todos: a sociedade civil quer, pode e tem recursos próprios para agir, em particular os estratégicos bens culturais, mas, para que isso ocorra, a adesão do Estado às instituições e aos valores republicanos tem de se tornar absolutamente explícita.

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Luiz Werneck Vianna é professor visitante da Uerj e ex-presidente da Anpocs.

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