sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Leis que retroagem?

Seria interessante se os candidatos explicassem o que entendem por Estado de direito, e de que modo irão defender as garantias fundamentais estabelecidas na Constituição

Do blog do Alon

O combate à corrupção não pode ser feito ao custo de rasgar a Constituição. O mesmo vale para outros combates, mas o Ficha Limpa tornou urgente a discussão. A lei, infraconstitucional, não tem o poder de alterar a Carta, ainda que esta seja, no frigir dos ovos, o que os ministros do Supremo Tribunal Federal entendem que ela é.

Está aliás na hora de o STF colocar ordem na bagunça do Ficha Limpa, aplicar um freio de arrumação. Ou a lei retroage ou não. Intolerável é a coisa ficar ao sabor das influências políticas sobre os tribunais nos estados. O Ficha Limpa é uma boa ideia, que corre o risco de virar instrumento arbitrário. Com a palavra, o STF.

Aqui entre nós, lei que retroage é um atentado ao Estado de direito democrático e à Constituição. Mas esperemos pelo que vai dizer a Suprema Corte.

O que fazer quando na esfera da corrupção, ou de outros problemas sociais, a democracia aparece como “obstáculo” a que a sociedade encontre o paraíso? Aqui, o “vou colocar todos os corruptos na cadeia” aparece como irmão siamês do “não se pode falar em democracia numa sociedade tão desigual quanto a nossa”.

O impulso autoritário está no DNA das diversas camadas da organização social brasileira. A primeira frase entre aspas no parágrafo anterior é tipicamente “da direita”, enquanto a segunda é “da esquerda”. Mas são xifópagas.

É preferível alguns corruptos estarem fora da cadeia, e mesmo poderem disputar as eleições, do que o sistema jurídico brasileiro engolir a barbaridade da norma legal que retroage a partir da data de vigência. Se o Ficha Limpa pode, por que não as outras leis?

E é preferível certa política social não ser executada, se a execução implicar lesão a direito fundamental. Paciência, é o custo de viver numa democracia. Uma ótima relação custo/benefício.

Mas admito que tais ideias não são muito populares. Para que acabem entranhadas no nosso tecido social, seria necessária uma das duas opções: ou a forte e continuada pressão popular para inverter a relação deformada entre a liberdade excessiva do estado e o deficit de liberdade do indivíduo, ou a sucessão de governos empenhados em autolimitar-se.

Aqui o leitor poderá argumentar que uma coisa não existe sem a outra, e terá dose de razão. Veja-se por exemplo a alternância de poder no último meio século no Brasil. Passaram pela cadeira — ou estão nela — todas as correntes políticas e históricas relevantes. Todas sem exceção adaptaram-se rapidamente ao princípio da absolutização do líder e da supremacia do Estado. Em palavras ou atos.

Pois a sociedade brasileira organizou-se a partir do Estado e carrega essa marca de nascença. Mas a deformação não é incurável, pode e vai sendo corrigida à medida que aumenta nosso grau de complexidade social. O crescimento da classe média não terá vindo em vão.

Outro dia a candidata Dilma Rousseff deu uma declaração interessante, ao falar sobre o proposto (por ela) ministério das pequenas e das médias empresas. Disse que a multiplicação dessas empresas é uma questão democrática. Fato.

Mas é também verdade que o governo do PT estimula a oligopolização em diversas esferas.

São debates estratégicos, e campanha eleitoral não é propriamente um lugar para tertúlias doutrinárias, mas seria interessante se os candidatos explicassem o que entendem por Estado de direito, e de que modo irão defender as garantias fundamentais estabelecidas na Constituição. E como avançar na democracia.

Poderiam começar condenando a tese de fazer retroagir as leis novas. Mesmo que elas contem com a simpatia geral. Como é o caso do Ficha Limpa.

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