por Dennis de Oliveira e Maria Angela Pavan
O canadense Denys Arcand, 64, autor de "O Declínio do Império Americano" (1986), e agora "As Invasões Bárbaras" (2003) não pensou que faria os espectadores do seu filme remexer na cadeira ao assistir a morte de suas ideologias e da sociedade ocidental. Uma queda que aconteceu na reunião dos mesmos atores depois de 17 anos, queda que acompanha a morte do mesmo personagem de Declínio – REMY.
O personagem Rémy, com suas opiniões políticas e sonhos interrompidos, somos todos nós diante dessa maturidade solitária, individualmente. Sem os grandes sonhos de cumplicidade e coletividade. Ao desenrolar sua história que entrelaça na história dos amigos, REMY faz um trajeto bem humorado do fim das ideologias. Mas isso não para por aí, os diálogos são francos, honestos e doloridos para quem assiste.
"As Invasões Bárbaras" no Festival de Cannes, em maio de 2003, conquistou o prêmio de melhor roteiro (do próprio Arcand) e o de melhor atriz para Marie-Josée Croze (Nathalie).
Numa entrevista a Folha de São Paulo, na ocasião do lançamento de seu filme no Brasil em 2003, Denys Arcand disse que não havia planejado realizar uma “bilogia” do primeiro filme, mas ao escrever o roteiro várias vezes, achou que o humor ficaria bem encaixado na segunda versão do Declínio. Ele queria escrever sobre a morte, mas não queria algo deprimente. Deste sentimento surgiu a idéia de desenvolver a história com os mesmos personagens de "O Declínio do Império Americano".
Arcand fala em sua entrevista de sentimentos generosos dos jovens de sua época, onde acreditavam no socialismo e em todos os “ismos” que existiram. Mas também lembra que houve a desconstrução de todas as formas de governo, de política de conduta e diz também que esta afirmação vale para todas as pessoas na sociedade ocidental de hoje.
Hoje não há sonhos e não há o que colocar no lugar do vazio que tomou conta do cenário destes velhos sonhos. Hoje já não há teorias e modelos para serem seguidos.
Os personagens do filme, segundo Arcand, viveram tentando fazer o melhor possível, e isso não soa deprimente pelo menos não foi o que ele quis passar. Mas desculpe Denys Arcand, m foi o que mais sentimos. As cenas são honestas e verdadeiras, mas deprimentes.
O fantástico foi perceber as delicadas manifestações dos bárbaros em nosso cotidiano. Quem não é o pai que sonha com um emprego (bem pago) para seus filhos, pode até ser uma multinacional, esta empresa que tanto condenamos na nossa época de movimento estudantil. Hoje são outros tempos, o que é o imperialismo, tudo e nada, o que vale é o emprego. Remy não queria isso para seu filho, mas o chamou de príncipe no fim do filme. O filho de Remy trabalha numa multinacional de petróleo, tudo contra sua convicção política há tanto tempo arraigada, mas decide ir contra tudo o que lutou. Estamos agora cada um por si, correndo atrás de nossas utopias individuais, nossos prazeres familiares saciados, aí sim estamos felizes.
A grande mudança precisa de encontros, do coletivo para tomarem força, forma e movimento. Mas desperdiçamos nossos tempos em prol de nossos umbigos.
Daí a revolução se concentra na discussão dos relacionamentos amorosos, do corpo adequado, do currículo cada vez maior, do número de viagens realizadas... Os problemas pessoais como primeiro foco. Quando esta revolução e crise de ideais se fecham num segmento social específico, ele se atarraca com os muros de uma linguagem própria deles (os famosos neologismos) e na intolerância como diferente.
O deslocamento existe sem sobra de dúvidas. A relação da Deise e sua filha, se dá em cima da intolerância e falta de diálogo. A afetividade perdida em algum canto de suas vidas. Que nos abra a voz os jovens – que são os que mais sentem esta distopia.
Em Declínio a separação de Remy e sua esposa (que tem um discurso de fidelidade) são a presença do muro que sem perceber criamos para que não haja a palavra tolerância em nossos dicionários.
Uma pesquisadora da etno-matemática nos contou o motivo pelo qual as crianças hoje em dia demoram em se familiarizar com a divisão na matemática. Ela dizia que a divisão era a primeira aprendida entre os índios, as crianças da nossa sociedade não sabem dividir, porque os pais também não sabem. Esquecemos de perceber o mundo intuitivamente. Nossa sociedade tem o primado da utilidade e não da economia não computável, que é alegria, o convívio e as trocas sociais.
São tantos os muros, em invasões o muro é derrubado quando Rémy, doente, é salvo pelos "bárbaros", ou que nós, da esquerda, chamamos das chagas do capitalismo neoliberal: o capital financeiro (representado pelo seu filho), o imperialismo norte-americano (representado pelo laboratório dos EUA onde faz os exames), a polícia (que indica o local onde se comprar heroína), a Igreja Católica (a mulher que distribui a hóstia é a mesma que injeta heroína em Rémy para aliviar as dores) e o tráfico de drogas (representado pela filha de Deise e o traficante). Remy é salvo pelas drogas e ao mesmo tempo tem sua morte apressada pelos mesmos. A tolerância não percebida em "Declínio" aparece aqui porque é inevitável a morte de Rémy que simboliza a morte de uma geração da utopia.
Uma frase de Rémy, já agonizando na casa do lago:
"Reverenciem o seu novo príncipe" (e entra em CENA o seu filho - Casado, fiel à esposa, bom marido, bem sucedido, (etc e tal).
É o resultado de uma "autofagia" que a intelectualidade de esquerda tende a fazer quando os projetos coletivos perdem espaços. Trocamos as bandeiras do socialismo pela discussão dos relacionamentos pessoais - isto pode satisfazer nosso ego de inconformados com o sistema, mas, na prática, estamos virando as costas para a invasão dos bárbaros.
O canadense Denys Arcand, 64, autor de "O Declínio do Império Americano" (1986), e agora "As Invasões Bárbaras" (2003) não pensou que faria os espectadores do seu filme remexer na cadeira ao assistir a morte de suas ideologias e da sociedade ocidental. Uma queda que aconteceu na reunião dos mesmos atores depois de 17 anos, queda que acompanha a morte do mesmo personagem de Declínio – REMY.
O personagem Rémy, com suas opiniões políticas e sonhos interrompidos, somos todos nós diante dessa maturidade solitária, individualmente. Sem os grandes sonhos de cumplicidade e coletividade. Ao desenrolar sua história que entrelaça na história dos amigos, REMY faz um trajeto bem humorado do fim das ideologias. Mas isso não para por aí, os diálogos são francos, honestos e doloridos para quem assiste.
"As Invasões Bárbaras" no Festival de Cannes, em maio de 2003, conquistou o prêmio de melhor roteiro (do próprio Arcand) e o de melhor atriz para Marie-Josée Croze (Nathalie).
Numa entrevista a Folha de São Paulo, na ocasião do lançamento de seu filme no Brasil em 2003, Denys Arcand disse que não havia planejado realizar uma “bilogia” do primeiro filme, mas ao escrever o roteiro várias vezes, achou que o humor ficaria bem encaixado na segunda versão do Declínio. Ele queria escrever sobre a morte, mas não queria algo deprimente. Deste sentimento surgiu a idéia de desenvolver a história com os mesmos personagens de "O Declínio do Império Americano".
Arcand fala em sua entrevista de sentimentos generosos dos jovens de sua época, onde acreditavam no socialismo e em todos os “ismos” que existiram. Mas também lembra que houve a desconstrução de todas as formas de governo, de política de conduta e diz também que esta afirmação vale para todas as pessoas na sociedade ocidental de hoje.
Hoje não há sonhos e não há o que colocar no lugar do vazio que tomou conta do cenário destes velhos sonhos. Hoje já não há teorias e modelos para serem seguidos.
Os personagens do filme, segundo Arcand, viveram tentando fazer o melhor possível, e isso não soa deprimente pelo menos não foi o que ele quis passar. Mas desculpe Denys Arcand, m foi o que mais sentimos. As cenas são honestas e verdadeiras, mas deprimentes.
O fantástico foi perceber as delicadas manifestações dos bárbaros em nosso cotidiano. Quem não é o pai que sonha com um emprego (bem pago) para seus filhos, pode até ser uma multinacional, esta empresa que tanto condenamos na nossa época de movimento estudantil. Hoje são outros tempos, o que é o imperialismo, tudo e nada, o que vale é o emprego. Remy não queria isso para seu filho, mas o chamou de príncipe no fim do filme. O filho de Remy trabalha numa multinacional de petróleo, tudo contra sua convicção política há tanto tempo arraigada, mas decide ir contra tudo o que lutou. Estamos agora cada um por si, correndo atrás de nossas utopias individuais, nossos prazeres familiares saciados, aí sim estamos felizes.
A grande mudança precisa de encontros, do coletivo para tomarem força, forma e movimento. Mas desperdiçamos nossos tempos em prol de nossos umbigos.
Daí a revolução se concentra na discussão dos relacionamentos amorosos, do corpo adequado, do currículo cada vez maior, do número de viagens realizadas... Os problemas pessoais como primeiro foco. Quando esta revolução e crise de ideais se fecham num segmento social específico, ele se atarraca com os muros de uma linguagem própria deles (os famosos neologismos) e na intolerância como diferente.
O deslocamento existe sem sobra de dúvidas. A relação da Deise e sua filha, se dá em cima da intolerância e falta de diálogo. A afetividade perdida em algum canto de suas vidas. Que nos abra a voz os jovens – que são os que mais sentem esta distopia.
Em Declínio a separação de Remy e sua esposa (que tem um discurso de fidelidade) são a presença do muro que sem perceber criamos para que não haja a palavra tolerância em nossos dicionários.
Uma pesquisadora da etno-matemática nos contou o motivo pelo qual as crianças hoje em dia demoram em se familiarizar com a divisão na matemática. Ela dizia que a divisão era a primeira aprendida entre os índios, as crianças da nossa sociedade não sabem dividir, porque os pais também não sabem. Esquecemos de perceber o mundo intuitivamente. Nossa sociedade tem o primado da utilidade e não da economia não computável, que é alegria, o convívio e as trocas sociais.
São tantos os muros, em invasões o muro é derrubado quando Rémy, doente, é salvo pelos "bárbaros", ou que nós, da esquerda, chamamos das chagas do capitalismo neoliberal: o capital financeiro (representado pelo seu filho), o imperialismo norte-americano (representado pelo laboratório dos EUA onde faz os exames), a polícia (que indica o local onde se comprar heroína), a Igreja Católica (a mulher que distribui a hóstia é a mesma que injeta heroína em Rémy para aliviar as dores) e o tráfico de drogas (representado pela filha de Deise e o traficante). Remy é salvo pelas drogas e ao mesmo tempo tem sua morte apressada pelos mesmos. A tolerância não percebida em "Declínio" aparece aqui porque é inevitável a morte de Rémy que simboliza a morte de uma geração da utopia.
Uma frase de Rémy, já agonizando na casa do lago:
"Reverenciem o seu novo príncipe" (e entra em CENA o seu filho - Casado, fiel à esposa, bom marido, bem sucedido, (etc e tal).
É o resultado de uma "autofagia" que a intelectualidade de esquerda tende a fazer quando os projetos coletivos perdem espaços. Trocamos as bandeiras do socialismo pela discussão dos relacionamentos pessoais - isto pode satisfazer nosso ego de inconformados com o sistema, mas, na prática, estamos virando as costas para a invasão dos bárbaros.
Nosso gueto (instituições onde trabalhamos, grupos de amigos) nos dá uma sensação de segurança, mas é uma autofagia. Vejam há colegas professores de universidade achando que o mundo é só a academia, dirigentes de movimentos sociais achando que o mundo é só o universo de lideranças de movimentos, militantes de partidos de esquerda também vivendo entre si...
Olhamos a população de uma forma contemplativa - no máximo, criamos laços de solidariedade. Isso é uma grande bobagem, do que precisamos sabemos há muito tempo – precisamos trocar a solidariedade pela CUMPLICIDADE - temos que ser cúmplices de um projeto, de uma traquinagem, de uma peraltice, de uma mudança.
Ser solidário cria tolerância, mas não diminui a distância porque não cria compromissos. Pelo contrário, reforça os muros dos guetos - muros de vidro, muros transparentes, mas infelizmente são muros... Rémy, Pierre, Dominique, Deise e companhia se guetizaram e, por isto, morreram como cúmplices da mudança. Como a maioria de nós, não foram capazes de impedir a invasão dos bárbaros.
* Publicado em 10/11/2005
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