sexta-feira, 17 de outubro de 2008

De COP em COP

Todo ano a coisa se repete. À medida que dezembro vai chegando, o governo brasileiro produz alguma medida de efeito exclusivamente midiático para atenuar o fato de que passam-se as décadas e nenhuma política pública efetiva, ampla e produtiva é desenvolvida para enfrentar as mudanças no clima. Em 2008, não está sendo diferente. Às vésperas da 14ª Conferência das Partes da convenção da ONU para mudanças climáticas (a COP-14) e da 4a Reunião das Partes do Protocolo de Quioto (CMP-4), que acontecem Poznan, na Polônia, um Plano Nacional sobre Mudança do Clima está aberto a consulta pública até 31 de outubro. Entretanto, o documento evita abordar o coração de alguns dos nossos maiores problemas ambientais. Não propõe a mudança do modelo econômico que, por estímulo do Estado brasileiro associado a poderosos agentes econômicos, elevou o Brasil à condição de quarto maior emissor mundial de gases causadores do aquecimento do planeta, devido à queima da floresta que responde por 75% das emissões nacionais.

Assim, moto contínuo, outra COP chegará, passará e antecipará a próxima (Copenhagen, 2009), sempre justificada pela linguagem diplomática, sem que os grandes impasses do nosso modelo de crescimento sejam considerados. Por pressão dos agentes econômicos que se imiscuem a uma tecnoburocracia estatal comprometida, continuamos a nos inserir no sistema global exportando natureza em estado bruto, mantendo a esssência de nossa inserção internacional exatamente da mesma forma como fazemos desde que os europeus chegaram por aqui, em 1500.

Formalmente, o Plano Nacional foi elaborado em consulta à sociedade, representada pelo Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, um ente paraestatal integrado por representantes da academia, do empresariado, do governo e de organizações da sociedade. Porém, sem capacidade política de pautar a agenda pública para um debate tão importante – não apenas para o Brasil, mas para a própria humanidade -, o Fórum, na prática, pouco fez além de referendar um Plano, elaborado por um sem número de ministérios, burocrático, estreito e sem coragem de apontar que é necessário alterar um modelo econômico baseado na extração e exportação intensiva e extensiva de recursos naturais com baixo valor agregado.

Ou se enfrenta o impasse, cortando crédito oficial e interrompendo a capacidade elaborativa do Estado orientada para grandes agentes econômicos, ou a soja, o gado e a cana para produção de álcool combustível, além da mineração em larguíssima escala e da construção de megahidrelétricas para alimentar esse sistema de esgotamento ambiental, continuarão a orientar as principais decisões econômicas no Brasil. E a floresta que se exploda.

Só para se ter uma idéia do quão recuado e tímido é esse Plano governamental. Ele ainda se orienta pelo nível das emissões de 1994, quando a escala e a lógica da economia brasileira era bem diferente das atuais. Quando o País ainda estava longe do grau de aprofundamento da exploração de recursos naturais que se verifica hoje. Mas, infelizmente, isso não é tudo. Se por um lado o nível das emissões é refutado pelo governo, de outro ele é sutilmente utilizado para justificar o aprofundamento do modelo de exploração-exportação de natureza através do apoio financeiro subsidiado aos maiores grupos nacionais e internacionais da área de álcool combustível. Sem apresentar qualquer estudo que a justifique, governo e agentes econômicos associados repetem como mantra a suposição de que o álcool de cana tem balanço energético e de emissões de gases poluentes favorável, quando comparado aos combustíveis fósseis.

Esta até pode ser uma verdade, mas que ainda não tem comprovação científica exaustiva. Intuímos que a queima do álcool combustível emite menos C02, por exemplo, mas não nos dedicamos a prová-lo cabalmente. Assim, os latifundiários de sempre, agora elevados à categoria de heróis, conseguem o respaldo de que necessitavam para continuar uma atividade econômica que atenta contra os mais elementares direitos de seus trabalhadores. E, ainda por cima, amparam-se no discurso anti-emissões para se qualificarem como fornecedores do combustível supostamente verde do século 21.

Embalado pelo discurso verde da sustentabilidade, o sistema vai-se adequando mais uma vez à mudança da conjuntura história. Com a ajuda providencial de um governo e de um Estado que lhe provêem de capacidade elaborativa, de apoio financeiro em quantidade quase ilimitada e de um poder regulatório que o blinda contra as resistências que eventualmente apareçam.

É assim de COP em COP, que la nave va.



Carlos Tautz é jornalista e pesquisador do Ibase – Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas

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