Especialistas propõem negociar Itaipu, contrabando na fronteira e situação dos brasiguaios, que mais podem perder com a querela
Antonio Vital*
Enquanto o governo brasileiro sinaliza uma negociação até alguns dias atrás descartada pelo presidente Lula, especialistas de diversas formações tentam imaginar o que seria um bom acordo que não fira o principal: as cláusulas do Tratado de Itaipu. Em debate na TV Câmara na noite de terça-feira (22), no programa Expressão Nacional, cinco deles deram suas contribuições.
Participaram do programa o deputado Marcondes Gadelha (PSB-PB), presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara; o deputado Cláudio Diaz (PSDB-RS), presidente da representação brasileira no Parlamento do Mercosul; o cientista político Ricardo Oliveira, da Universidade Federal do Paraná (UFPR); o jornalista argentino Eduardo Davis, da agência EFE; e o historiador Amado Luiz Cervo, da Universidade de Brasília (UnB). A posição do governo paraguaio foi transmitida, via entrevista gravada, pelo embaixador paraguaio no Brasil, Luis González Arias, que se encontrava em Assunção.
Os debatedores foram unânimes em pontuar que o bispo católico Fernando Lugo, eleito presidente do Paraguai, não tem razão para reclamar do acordo de Itaipu, pelo qual o Paraguai ficou dono de metade da então maior hidrelétrica do mundo sem desembolsar um tostão – herdando, é claro, uma dívida que só será paga em 2023, daí o valor relativamente baixo, de US$ 2,80 por KW/h, que recebe pela energia.
Os pontos em comum: o preço da eletricidade é justo para os dois países e quem corre risco mesmo em caso de aumento do ressentimento contra os brasileiros no Paraguai são os brasiguaios, aqueles produtores rurais brasileiros responsáveis pelo grosso do agronegócio do país vizinho graças à soja e que têm situação jurídica indefinida.
Amado Cervo deu o tom da discussão ao defender a ampliação do debate para a definição da situação dos brasiguaios e para a imposição de um limite ao contrabando institucionalizado na fronteira, negócio lucrativo e que tem peso significativo na economia paraguaia. Poucas horas antes, o presidente Lula concordou em sentar-se para conversar com Lugo. E no dia seguinte o jornal Valor Econômico traria uma reportagem com o que seria a proposta brasileira: antecipar parte do pagamento referente à compra de energia que só seria feita em 2023, justamente quando a dívida do Paraguai acaba. "Com o fim da dívida", informa o Valor, "deixam de valer também pontos importantes do tratado, entre eles um que proíbe que os dois sócios vendam parte da energia a que têm direito a terceiros países".
A proposta não foi confirmada oficialmente e carrega um problema a mais para o Brasil, que não pode dispensar a energia de Itaipu, responsável por 20% do que é consumido aqui – o que ocorreria se o Paraguai pudesse, por exemplo, vender aquilo que não utiliza para a Argentina, operação hoje proibida pelo tratado de 1973. O embaixador paraguaio acrescentou um elemento a mais na discussão ao acenar com uma possibilidade de um acordo aceitável para o governo paraguaio. O Brasil poderia ajudar o país vizinho a distribuir a energia gerada em Itaipu, hoje subutilizada. Isso porque o Paraguai não tem infra-estrutura suficiente, o que compromete seu crescimento e impede o uso da energia. Uma forcinha do Brasil seria providencial.
O problema, nesse caso, é que Lugo fez promessas demais e criou uma expectativa na população que pode acarretar sérios problemas à sua administração, segundo os participantes do debate. Ele prometeu energia barata e até de graça para os pobres, além da criação de empregos para 100 mil famílias desocupadas, construção de 40 mil casas por ano, distribuição de 30 mil lotes de terra para camponeses e indígenas, tudo com o que receberia a mais pela energia de Itaipu.
Como Lugo terá pouca margem de apoio no Congresso paraguaio, em uma aliança de coalizão onde tem muita força o conservador Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA), não é exagerada a previsão de que a chamada governabilidade não será fácil para ele. Vide os problemas enfrentados por Evo Morales na Bolívia. Daí, talvez, a avaliação do governo Lula de que é melhor oferecer algo do que permitir a radicalização do processo político na fronteira, com o eventual aumento de influência do venezuelano Hugo Chávez, de quem até agora Lugo aparenta não querer muita proximidade.
Cláudio Diaz elaborou a sua proposta de acordo: estender o prazo de pagamento da dívida de Paraguai com Itaipu até 2030. Marcondes Gadelha manifestou preocupação com o destino dos brasiguaios e com a campanha de distorção histórica levada a cabo no Paraguai em relação ao Brasil. E não só em relação a Itaipu.
Até velhos ressentimentos da Guerra do Paraguai, no século XIX, são alimentados além-fronteira. "Os brasiguaios podem sofrer retaliações. O Brasil devia fazer uma campanha de contra-informação para esclarecer a população", disse.
Os seguidos editoriais do maior jornal em circulação no Paraguai, o ABC Color, não deixam dúvidas sobre a radicalização do processo. No dia da eleição, domingo (20), a primeira página do jornal dizia o seguinte: "Em Itaipu nosso povo é obrigado a ‘ceder’ ao Brasil a maior riqueza com que conta o país para sair da pobreza, a um preço ínfimo (...). Reverter esta humilhante e insólita injustiça deve ser a máxima prioridade do governo que surja das urnas nas eleições de hoje".
Ricardo Oliveira, especialista no Tratado de Itaipu, defendeu os valores estabelecidos no acordo firmado entre os dois países e foi categórico: se houver alteração, quem vai pagar o preço será o consumidor brasileiro.
*Antonio Vital é apresentador do programa Expressão Nacional
Antonio Vital*
Enquanto o governo brasileiro sinaliza uma negociação até alguns dias atrás descartada pelo presidente Lula, especialistas de diversas formações tentam imaginar o que seria um bom acordo que não fira o principal: as cláusulas do Tratado de Itaipu. Em debate na TV Câmara na noite de terça-feira (22), no programa Expressão Nacional, cinco deles deram suas contribuições.
Participaram do programa o deputado Marcondes Gadelha (PSB-PB), presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara; o deputado Cláudio Diaz (PSDB-RS), presidente da representação brasileira no Parlamento do Mercosul; o cientista político Ricardo Oliveira, da Universidade Federal do Paraná (UFPR); o jornalista argentino Eduardo Davis, da agência EFE; e o historiador Amado Luiz Cervo, da Universidade de Brasília (UnB). A posição do governo paraguaio foi transmitida, via entrevista gravada, pelo embaixador paraguaio no Brasil, Luis González Arias, que se encontrava em Assunção.
Os debatedores foram unânimes em pontuar que o bispo católico Fernando Lugo, eleito presidente do Paraguai, não tem razão para reclamar do acordo de Itaipu, pelo qual o Paraguai ficou dono de metade da então maior hidrelétrica do mundo sem desembolsar um tostão – herdando, é claro, uma dívida que só será paga em 2023, daí o valor relativamente baixo, de US$ 2,80 por KW/h, que recebe pela energia.
Os pontos em comum: o preço da eletricidade é justo para os dois países e quem corre risco mesmo em caso de aumento do ressentimento contra os brasileiros no Paraguai são os brasiguaios, aqueles produtores rurais brasileiros responsáveis pelo grosso do agronegócio do país vizinho graças à soja e que têm situação jurídica indefinida.
Amado Cervo deu o tom da discussão ao defender a ampliação do debate para a definição da situação dos brasiguaios e para a imposição de um limite ao contrabando institucionalizado na fronteira, negócio lucrativo e que tem peso significativo na economia paraguaia. Poucas horas antes, o presidente Lula concordou em sentar-se para conversar com Lugo. E no dia seguinte o jornal Valor Econômico traria uma reportagem com o que seria a proposta brasileira: antecipar parte do pagamento referente à compra de energia que só seria feita em 2023, justamente quando a dívida do Paraguai acaba. "Com o fim da dívida", informa o Valor, "deixam de valer também pontos importantes do tratado, entre eles um que proíbe que os dois sócios vendam parte da energia a que têm direito a terceiros países".
A proposta não foi confirmada oficialmente e carrega um problema a mais para o Brasil, que não pode dispensar a energia de Itaipu, responsável por 20% do que é consumido aqui – o que ocorreria se o Paraguai pudesse, por exemplo, vender aquilo que não utiliza para a Argentina, operação hoje proibida pelo tratado de 1973. O embaixador paraguaio acrescentou um elemento a mais na discussão ao acenar com uma possibilidade de um acordo aceitável para o governo paraguaio. O Brasil poderia ajudar o país vizinho a distribuir a energia gerada em Itaipu, hoje subutilizada. Isso porque o Paraguai não tem infra-estrutura suficiente, o que compromete seu crescimento e impede o uso da energia. Uma forcinha do Brasil seria providencial.
O problema, nesse caso, é que Lugo fez promessas demais e criou uma expectativa na população que pode acarretar sérios problemas à sua administração, segundo os participantes do debate. Ele prometeu energia barata e até de graça para os pobres, além da criação de empregos para 100 mil famílias desocupadas, construção de 40 mil casas por ano, distribuição de 30 mil lotes de terra para camponeses e indígenas, tudo com o que receberia a mais pela energia de Itaipu.
Como Lugo terá pouca margem de apoio no Congresso paraguaio, em uma aliança de coalizão onde tem muita força o conservador Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA), não é exagerada a previsão de que a chamada governabilidade não será fácil para ele. Vide os problemas enfrentados por Evo Morales na Bolívia. Daí, talvez, a avaliação do governo Lula de que é melhor oferecer algo do que permitir a radicalização do processo político na fronteira, com o eventual aumento de influência do venezuelano Hugo Chávez, de quem até agora Lugo aparenta não querer muita proximidade.
Cláudio Diaz elaborou a sua proposta de acordo: estender o prazo de pagamento da dívida de Paraguai com Itaipu até 2030. Marcondes Gadelha manifestou preocupação com o destino dos brasiguaios e com a campanha de distorção histórica levada a cabo no Paraguai em relação ao Brasil. E não só em relação a Itaipu.
Até velhos ressentimentos da Guerra do Paraguai, no século XIX, são alimentados além-fronteira. "Os brasiguaios podem sofrer retaliações. O Brasil devia fazer uma campanha de contra-informação para esclarecer a população", disse.
Os seguidos editoriais do maior jornal em circulação no Paraguai, o ABC Color, não deixam dúvidas sobre a radicalização do processo. No dia da eleição, domingo (20), a primeira página do jornal dizia o seguinte: "Em Itaipu nosso povo é obrigado a ‘ceder’ ao Brasil a maior riqueza com que conta o país para sair da pobreza, a um preço ínfimo (...). Reverter esta humilhante e insólita injustiça deve ser a máxima prioridade do governo que surja das urnas nas eleições de hoje".
Ricardo Oliveira, especialista no Tratado de Itaipu, defendeu os valores estabelecidos no acordo firmado entre os dois países e foi categórico: se houver alteração, quem vai pagar o preço será o consumidor brasileiro.
*Antonio Vital é apresentador do programa Expressão Nacional
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