Escrito por Gabriel Perissé
28-Ago-2007
Somos vítimas de comodismos os mais secretos e tenazes. De preguiças sorrateiras, difíceis de identificar. E ainda mais difíceis de extirpar. Somos vítimas inconscientes de rotinas apodrecidas, rotinas que ficam grudadas em nós, anos a fio.
Mas de repente é possível abrir os olhos, tomar decisões, e desfazer-nos do peso morto. Toda decisão é cisão, corte corajoso, mudança de comportamento mental, com resultados práticos.
Vivia eu, até a semana passada, com um molho de sete chaves excedentes dentro dos bolsos. Não sei como foram se acumulando, mas lá estavam, fazendo seu inútil barulho. Chaves médias, pequenas e grandes que me atrapalhavam na hora de encontrar as três de que efetivamente preciso: do portão do prédio e das duas portas do apartamento.
Subitamente, olhando para elas em cima da mesa, perguntei-me o que faziam dentro da minha vida, que portas abririam, que cadeados, que armários, que gavetas, que tampas, que gaiolas, sei lá... Eram sete chaves enigmáticas, sufocando as três chaves cotidianas e reais. Em dado momento aquelas sete chaves tiveram alguma serventia... Agora estavam lá, estranhas, sem endereço e sem razão.
Eu não tenho casa de campo, não tenho automóvel, não tenho caixas secretas, não tenho cofres, não tenho nada a chavear. Nem sou São Pedro para deter as chaves do céu! Afinal, para que tantas chaves, meu Deus?
Uma delas, a menorzinha, começou a me incomodar mais do que todas. Que diabo de pequena fechadura acolhia aquela chaveta e a ela obedecia docilmente?
E havia um chavão que impunha respeito. Deve ter sido útil em algum distante lugar do passado... Se útil foi, a memória já não saberia dizer para quê.
Chaves simbolizam poder. Quem pode abrir e fechar jaulas e cárceres sente-se o dono da liberdade. Que poder terá, ao contrário, aquele que não sabe para que servem as chaves, chavinhas e chaverões enfiados no seu bolso?
Por mais de 4 anos carreguei chaves desenxabidas, incompatíveis com qualquer porta que eu ainda conhecesse. Fizesse sol ou chuva, lá estavam aquelas chaves, disponíveis para coisa nenhuma.
Então, veio a já demoradíssima decisão. Retirei aquelas sete chaves imprestáveis do chaveiro e as joguei dentro de uma gaveta qualquer. Com a simplicidade de uma vida resumida a apenas três chaves, fui passear. As sete chaves que um dia tiveram algum valor para mim não me prendiam mais.
Gabriel Perissé é doutor em Educação pela USP e escritor.
Web Site: www.perisse.com.br
28-Ago-2007
Somos vítimas de comodismos os mais secretos e tenazes. De preguiças sorrateiras, difíceis de identificar. E ainda mais difíceis de extirpar. Somos vítimas inconscientes de rotinas apodrecidas, rotinas que ficam grudadas em nós, anos a fio.
Mas de repente é possível abrir os olhos, tomar decisões, e desfazer-nos do peso morto. Toda decisão é cisão, corte corajoso, mudança de comportamento mental, com resultados práticos.
Vivia eu, até a semana passada, com um molho de sete chaves excedentes dentro dos bolsos. Não sei como foram se acumulando, mas lá estavam, fazendo seu inútil barulho. Chaves médias, pequenas e grandes que me atrapalhavam na hora de encontrar as três de que efetivamente preciso: do portão do prédio e das duas portas do apartamento.
Subitamente, olhando para elas em cima da mesa, perguntei-me o que faziam dentro da minha vida, que portas abririam, que cadeados, que armários, que gavetas, que tampas, que gaiolas, sei lá... Eram sete chaves enigmáticas, sufocando as três chaves cotidianas e reais. Em dado momento aquelas sete chaves tiveram alguma serventia... Agora estavam lá, estranhas, sem endereço e sem razão.
Eu não tenho casa de campo, não tenho automóvel, não tenho caixas secretas, não tenho cofres, não tenho nada a chavear. Nem sou São Pedro para deter as chaves do céu! Afinal, para que tantas chaves, meu Deus?
Uma delas, a menorzinha, começou a me incomodar mais do que todas. Que diabo de pequena fechadura acolhia aquela chaveta e a ela obedecia docilmente?
E havia um chavão que impunha respeito. Deve ter sido útil em algum distante lugar do passado... Se útil foi, a memória já não saberia dizer para quê.
Chaves simbolizam poder. Quem pode abrir e fechar jaulas e cárceres sente-se o dono da liberdade. Que poder terá, ao contrário, aquele que não sabe para que servem as chaves, chavinhas e chaverões enfiados no seu bolso?
Por mais de 4 anos carreguei chaves desenxabidas, incompatíveis com qualquer porta que eu ainda conhecesse. Fizesse sol ou chuva, lá estavam aquelas chaves, disponíveis para coisa nenhuma.
Então, veio a já demoradíssima decisão. Retirei aquelas sete chaves imprestáveis do chaveiro e as joguei dentro de uma gaveta qualquer. Com a simplicidade de uma vida resumida a apenas três chaves, fui passear. As sete chaves que um dia tiveram algum valor para mim não me prendiam mais.
Gabriel Perissé é doutor em Educação pela USP e escritor.
Web Site: www.perisse.com.br
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