quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Confissões de uma viúva do PT (parte 1/3)


Confissões de uma viúva do PT (parte 1/3)

Eu tinha apenas 12 anos quando comecei a acompanhar a vida política brasileira. Culpa de meu pai, que por essa época já me incentivava a ler a Veja e me pedia resumos das reportagens como condição para o recebimento da minha mesada. Lembro-me perfeitamente, por exemplo, das notícias sobre o movimento pelas Diretas, em particular de uma cena em que Fafá de Belém cantava o Hino Nacional, com um sentimento e uma beleza muito impactantes para a menina acostumada ao compasso cadenciado, quase marcial, das cerimônias de hasteamento da bandeira, no pátio do colégio. Compartilhei, com meu coração adolescente, a euforia pela eleição de Tancredo Neves. Obviamente, não podia alcançar a plenitude de significado daquele fato, porém, conseguia entender que se tratava de um momento auspicioso e muito importante para o país. Por isso mesmo, chorei copiosamente, junto à minha mãe, a morte daquele homem baixinho e simpático, que eu aprendera a admirar e a querer bem. Jamais esquecerei a gravidade e a tristeza de voz e semblante de Antônio Brito, anunciando o evento fatídico. Ganhei um concurso de redação no colégio, escrevendo sobre o presidente nunca empossado. A ele devo minha primeira coleção de livros de Machado de Assis, com a qual fui premiada.
Depois disso, não deixei mais de acompanhar com o mais vivo interesse os eventos relativos à nossa vida pública. Em virtude da tenra idade e da sede de justiça social, rapidamente tornei-me petista convicta. Tirei meu título aos 16 anos para votar no sujeito barbudo, tão baixinho e simpático quanto Tancredo, em quem passei a depositar minhas esperanças de construção de um Brasil melhor e mais equânime. Fui a memoráveis comícios do PT, de estrela vermelha no peito. Provoquei discussões em ônibus, fiz panfletagem, boca de urna no primeiro turno da eleição de 1989, e, no segundo, fui fiscal do Partido dos Trabalhadores. Na apuração, briguei por cada garrancho que pudesse se parecer com o nome “Lula” (naquele tempo ainda se votava em cédulas de papel). Devo ter ganho pelo menos uns 10 votos só na base da argumentação. Lula perdeu, mas eu saí da zona eleitoral às duas da madrugada com a sensação de dever cívico cumprido. Pouco tempo depois, fui para as ruas de cara pintada, briguei pelo Impeachment e novamente fiz campanha para Lula. Não me conformava com a aliança entre Fernando Henrique Cardoso – o teórico do dependentismo, o príncipe da sociologia -- e o PFL. Tinha a mais firme convicção de que os tucanos, ainda que pudessem ser políticos decentes, haviam vendido sua alma ao diabo e logo fariam o mesmo com o Brasil. Fiquei arrasada com a derrota do PT e passei os oito anos da Era FHC praguejando contra o governo neoliberal, brigando diariamente com meu pai (discussões que muitas vezes terminaram em lágrimas de raiva) e desejando que o presidente-intelectual ardesse no fogo do inferno pela Eternidade, para pagar pelos terríveis males causados ao Brasil: privatizações irresponsáveis, desemprego em massa, sucateamento das universidades públicas, abandono das fronteiras, inexistência de política de Estado para a cultura, pragmatismo político condenável, expresso em alianças com uma corja política abominável, a exemplo dos clãs Sarney e Magalhães. Enfim, minha lista de imprecações era bastante extensa. Meu único consolo consistia na certeza de que um dia o PT chegaria ao poder e poria um fim naquela sem-vergonhice.
Quando Lula foi eleito, eu estava morando nos Estados Unidos, onde fazia um doutorado. Acompanhei toda a apuração pela TV, ansiosamente, na casa de amigos. Mal pude acreditar quando a vitória de Lula foi anunciada! O discurso de derrota de José Serra produziu em mim uma alegria indescritível. Suas lágrimas mal contidas, confesso, produziram júbilo no meu coração. Finalmente se realizava um sonho de mais de uma década! Quando Lula apareceu na tela do aparelho eu já estava transformada em lágrimas. Impossível conter o choro, a emoção, a felicidade suprema. Se Deus topasse certo tipo de acordo, teria dado dois anos da minha vida para estar no Brasil naquela noite, para somar-me à multidão que vestia camisas vermelhas e empunhava bandeiras, tomando conta das grandes cidades do país. Tomei o primeiro e único porre voluntário da minha vida (só tinha ficado ébria antes no meu chá de panela). A eleição de Lula, a vitória do PT valiam aquele excesso. Fui dormir em êxtase.
Quando os primeiros indícios de promiscuidade e corrupção do Governo Lula começaram a aparecer, ecoei o discurso petista: intriga da oposição, tentativa de desestabilizar um governo verdadeiramente popular e democrático, coisa de imprensa golpista. Com o passar do tempo e a revelação de dados incontestáveis e indiscutíveis, tive de me render. Afinal, contra fatos, não há argumentos. Ou, como diz um amigo amado: não adianta dar murro em ponta de fato. A minha vida política divide-se, assim, em duas partes: antes e depois do Mensalão. Ainda hoje meus olhos marejam quando recordo a decepção, o desencanto, a dor de descobrir que eu vivera um engodo. Passei 15 anos da minha vida acreditando e lutando por uma quimera, um castelo de nuvens que se dissipou no ar da maneira mais cruel.

Valéria Costa e Silva 

Nenhum comentário: