quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Os números

Como se sabe, as únicas pesquisas de opinião confiáveis são as que nos favorecem. Todas as outras são discutíveis, imprecisas e provavelmente manipuladas. Mas mesmo que — como sugeriu o Fernando Henrique quando, comentando os últimos índices de popularidade do Lula, disse que nada mais o surpreendia no Brasil — sejam só uma prova da nossa esquisitice, as pesquisas são dados políticos ponderáveis. Como se explica que o Lula suba nas pesquisas em proporção direta ao que baixam de lenha no seu governo? Eu prefiro pensar que, além dos programas sociais que estão dando um pouco a quem não tinha nada, a explicação é que a maioria dos pesquisados não acompanha debate político, não lê a grande imprensa e ainda gosta do jeitão do Lula, para não falar nas suas covinhas. Porque as alternativas a isto são desanimadoras. Uma é concluir que a política se tornou irrelevante. Outra é concluir que as pessoas acompanham, sim, as $úncias e as CPIs, lêem os jornais e as revistas - e não ligam, ou desconfiam dos seus motivos. Outra é concluir que o que conta mesmo é o jeitão do homem. O fato é que os números das pesquisas são hoje o grande argumento, o grande cala-crítica do governo. Mas os números podem mudar e as pesquisas podem virar de um dia para o outro. Nesse caso, claro, deixarão de ser confiáveis para o governo e se tornarão indiscutíveis para a oposição.
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Os números, os números. Foi Isaac Newton quem disse que a Natureza fala matemática? Fosse quem fosse, queria dizer que a matemática é a linguagem das coisas, o oposto da linguagem humana. Na língua dos números não existe retórica, nem duplo sentido — e nem discussão. Você pode contestar certos números com outros números, ou interpretá-los ao seu gosto e conveniência, e tentar politizá-los. Os números atuais da economia brasileira são entusiasmantes ou são ilusórios, de acordo com a sua vontade. Os números da popularidade do Lula são justificáveis ou inexplicáveis. Mas com outros números não há conversa ou arranjo. São números que para a sociedade brasileira têm o sentido terrível de crítica irrespondível de um interlocutor implacável. Um interlocutor que não pode ser ridicularizado, desprezado, desmentido ou acusado de má vontade ou má-fé, e para o nenhum tipo de explicação é possível. Porque ele simplesmente fala outra língua, incompatível com a língua da desconversa.
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Os números da dengue e de outras epidemias produzidas pelo descaso e a miséria, por exemplo, desafiam para o diálogo estes governos e todos os que os antecederam, entre os mais e os menos engajados numa solução para a vergonha. A tragédia social brasileira se resume nessa separação entre a língua dos bons sentimentos e das abstrações bem-intencionadas e a dura língua de uma realidade que nunca muda.
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A miséria fala matemática, e repete sempre a mesma coisa degradante. Faltam intérpretes conseqüentes, para que uma língua afete a outra.
Luiz Fernando Veríssimo

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