segunda-feira, 28 de novembro de 2005

VALENTIM MORONA: DE AGRICULTOR A EXPEDICIONÁRIO

Nosso personagem de hoje tem história. Exatamente 85 anos de uma história que iniciou em Erechim (RS), onde Valentim Morona nasceu e morou até os 15 anos passa pela Itália como expedicionário da II Guerra Mundial e continua hoje, na localidade do Cará, onde Morona cultiva um pequeno pedaço de terra.
Em Caçador a história de Morona começa aos 15 anos, quando ele vem morar com a familia que já estava aqui desde 1934. "Em 1935 Caçador era uma pequena vila rodeada pela mata cheia de pinheiros", lembrou Morona que trabalhou algum tempo com a familia na Agricultura e depois foi trabalhar nas muitas madeireiras que existiam na época.
Em 1944, quando Morona foi convocado para se integrar a Força Expedicionária Brasileira (FEB) para lutar na Segunda Guerra Mundial na Itália, trabalhava na serraria do Hilário Baú. "Eu tinha me alistado normalmente e fui chamado para servir em Joinvile. De Joinvile fui para Blumenau, depois para São Paulo e para o Rio de Janeiro onde embarcamos para a Itália", observou.
Durante os oito meses que permaneceu na guerra, de 1944 até o fim da Guerra em 1945, Morona não participou de nenhuma batalha. Era cozinheiro dos oficiais em Nápoles, local de desembargue dos brasileiros, acompanhou a evolução dos combates pela cidade de Torino, Milão e Gênova. "Cheguei a ir ao front para ver mas não estive no combate. Acompanhava a Guerra de longe, pelo barulho dos tiros de fuzil e canhão, e só pensava em voltar para minha terra", revelou.
O ex-expedicionário disse que a Guerra também lhe ensinou muitas coisas que utilizou ao longo da vida. A principal delas a ajudar as pessoas como os brasileiros ajudaram os italianos, um povo bom, que estava sofrendo com a guerra.
Quando voltou para Caçador Morona foi trabalhar novamente na serraria cortando pinheiros, na época abundantes, nas matas da região. Trabalhou com extração de madeira até 1950 ano em que adquiriu um sitio no Cará e voltou para a agricultura. "Depois que voltei da guerra eu trabalhei uns três anos, me casei, volteir a trabalhar na serraria e um ano depois fui morar no Cará, onde estou até hoje", lembrou.
Morona disse que sempre preferiu trabalhar na roça. "Você vai a hora que quer e volta a hora que o sol fica forte. Na serraria tinha que cumprir horário", explicou Morona, afirmando que na agricultura tem que ser persistente pois sempre tem o contratempo. Hoje Morona trabalha pouco na agricultura e quem cuida do sítio e seu filho de criação Alvino. "Eu passo às horas jogando canastra e quatrilho com os amigos na Sociedade Caçadorense de Bochas. Antes eu até jogava bocha mas, depois que fizeram a quadra nova não me adaptei", contou.
Morona se casou duas vezes. Do primeiro casamento, com Irene Cachoeira Morona que faleceu aos 42 anos teve dois filhos: Odilon e Raquel Morona. Do segundo casamento, em 1975 com Ana Baseggio, teve mais dois filhos: Ana Bárbara e João Ricardo Morona.
FONTE: FOLHA DA CIDADE

A GEOGRAFIA DA FOME

A fome não é mais do que a expressão biológica de um fenômeno econômico. A fome é, regra geral, o produto das estruturas econômicas defeituosas e não de condições naturais insuperáveis.
Josué de Castro, autor do clássico Geografia da Fome

domingo, 27 de novembro de 2005

Entrevista de Marilena Chauí

JORNA BRASIL DE FATO
São Paulo - BrasilDomingo, 27 de Novembro de 2005 Edição Nº 143 - De 24 a 30 de novembro de 2005

ENTREVISTA
Marilena Chauí ataca a imprensa e diz que governo Lula não é de esquerda Baby Siqueira Abrão, Marcelo Netto Rodrigues e Nilton Vianade São Paulo (SP) e da Redação

Desde que Luiz Inácio Lula da Silva assumiu o poder, a filósofa Marilena Chauí vive sob forte ataque da imprensa tradicional. Que diz, entre outras coisas, que ela preferiu o silêncio a ter de rebater as acusações que pairam sobre o governo Lula e o Partido dos Trabalhadores (que ela ajudou a fundar). Aquela mídia não se conforma que ela não abra a boca aos seus repórteres. E, por isso, acusam-na de omissão intelectual.Nesta entrevista exclusiva ao Brasil de Fato - uma das únicas publicações com as quais Marilena concorda em falar - a filósofa prova que, ao contrário do que diz a imprensa convencional, sua capacidade crítica subsiste a conveniências partidárias. Em suas palavras, o que temos “não é um governo de esquerda”; o grupo de José Dirceu “não tinha a menor noção de revolução”, e Lula peca porque acha que é “possível governar concedendo um pouco para cada uma das classes sociais”, em vez de dizer: “Eu vim em nome da classe trabalhadora, e é com eles, e para eles, que eu vou governar”. Quanto à crise, Marilena resume: é “miudinha como a ‘politiquinha’ brasileira”.
Brasil de Fato - Como vê o governo Lula, e qual a sua avaliação sobre a conjuntura atual?
Marilena Chauí - Infelizmente, não é um governo de esquerda. Porque o elemento fundamental que faria com que ele se abrisse como um governo de esquerda não é como o PSOL diz: a ruptura com o Fundo Monetário Internacional (FMI), o abandono de várias políticas econômicas. O gesto que definiria este governo como de esquerda teria sido a reforma tributária para a redistribuição da renda. Lula marcaria a sua posição se dissesse: “Eu vim em nome da classe trabalhadora, eu vim em nome dos movimentos sociais e populares, e é com eles, e para eles, que eu vou governar”. Então, a ausência deste elemento faz com que a política econômica, a lentidão das políticas sociais, a falta de coordenação entre vários dos ministérios assumam importância maior do que efetivamente têm.
BF - Mas por que os aspectos negativos aparecem tanto?
Marilena - Justamente porque seu elemento nuclear, que seria a redistribuição da renda, não se realizou. Assim, critica-se pelas bordas e não vai ao núcleo. Mas, se você faz uma análise comparativa, estes três anos de governo fizeram nas áreas social e de infra-estrutura mais do que os oito anos do PSDB. Isto é indiscutível, os números estão aí. Mas, isso não define o perfil do governo, porque dizer que você fez mais do que o PSDB não quer dizer muita coisa.
BF - Mas como é possível fazer uma reforma tributária progressiva sem se ter uma maioria de esquerda no Congresso? Há um caminho dentro da democracia formal no Brasil?
Marilena - Não. De jeito nenhum. Qual é a minha expectativa, e por que eu sou petista, e por que com todos os desastres deste partido, eu continuo nele? Porque acho que temos um processo histórico lento a realizar, que começou muito antes de mim, e que os meus bisnetos vão finalizar. É um processo pelo qual você vai desalojando a classe dominante dos seus principais pólos de poder. Você não fará mudanças com a sociedade brasileira do jeito que ela é - vertical, autoritária, hierarquizada e violenta. Muito menos com a classe dominante que nós temos: a mais primitiva e a mais bárbara que se possa imaginar. Nestas condições, em termos de mudança estrutural, você fará muito pouco. Mas o que se pode fazer, e isso é a tarefa de um partido de esquerda, é ir ganhando espaços de poder e de força para ir desalojando essa classe dominante de postos estratégicos na sociedade, na política e na economia. Isso envolve não só as questões econômicas e sociais, mas um trabalho no plano da desmontagem da ideologia. E é um processo que só os movimentos sociais e partidos de militância à esquerda podem fazer.
BF - Faz tempo que o PT deixou de ser um partido de classe, de militância e foi ganhando característica idêntica à dos partidos tradicionais. A senhora ainda acredita que o PT seja capaz de aglutinar os movimentos sociais em torno de um processo de transformação, mesmo lento?
Marilena - Acredito. E penso que o passo mínimo neste sentido é a primeira grande mudança da direção. Vai ser a primeira vez, nos últimos 15 anos, que não se terá uma direção de uma tendência majoritária. A isso, soma-se o fato de a militância ter ido votar, de ter formado grupos de discussão, de ter proposto a refundação do partido. Tudo isso indica que o PT que havia se tornado vai desaparecendo.
BF - Mas a descaracterização do PT não tem mais a ver com uma nova concepção ideológica?
Marilena - Acho que não. É preciso lembrar a formação do PT, ou seja, que é um partido extremamente heterogêneo. Que tem a esquerda que estava na clandestinidade, ex-guerrilheiros, ex-comunistas, ex-trotskistas, as comunidades eclesiais de base e a teologia da libertação, o novo movimento sindical, movimentos sociais como o das mulheres, dos negros, dos índios, dos homossexuais, que se aglutinavam em torno de um eixo norteador fundado na noção de que os direitos sociais - a justiça e a igualdade econômica e social - eram o fundamental.
BF - E o que produziram tantas diferenças?
Marilena - Isso significou que dentro do PT existiam inúmeras concepções muito diferentes de partido, da política, da relação com a sociedade, da relação partido-movimento, da relação partido-institucionalidade. E a concepção, que de alguma maneira foi vitoriosa através da Articulação, que, num determinado instante, passou a ter o controle do partido, era representada por gente que veio de partido comunista, de célula trotskista, de célula guerrilheira, e que tem, portanto, a concepção clássica do partido de vanguarda. Eu não atribuo isto ao Campo Majoritário, que ao meu ver, é uma coisa abstrata, fictícia, é um nome fantasia que foi dado num instante em que havia filiados de tudo quanto era jeito, era uma coisa inteiramente eleitoral (...) então, eu vou deixar de lado esta história do Campo Majoritário.
BF - A descaracterização do PT foi, então, obra da Articulação?
Marilena - A partir da concepção da Articulação, não se tem mais um partido de quadros, de militância, de filiados. E esta vanguarda se considera não só a portadora da verdade do partido, mas a detentora do poder dentro dele. E a única maneira que ela é capaz de pensar isso é através da burocratização. Então, se se desmonta a Articulação, o que aconteceu com o PT vai ser desmontado também.
BF - Nessa concepção de partido de vanguarda, faz sentido a hipótese de que José Dirceu foi pego pavimentando o caminho para um processo revolucionário?
Marilena - Ah, não, de jeito nenhum (ri com indignação)! Esta visão é uma mescla do que uma parte da esquerda pensava nos anos 1950 e final dos 1960. Não, não, não havia a menor noção de revolução neste caminho. E eu nem personalizo na figura do Zé Dirceu. É um grupo que identifica a política e a tomada de poder dentro do aparelho do Estado. Portanto, não se coloca a questão da revolução, nem de uma transformação social que seria a condição da própria transformação política. É a idéia de que através do aparelho de Estado são produzidas as mudanças na sociedade e na economia. Isso não é inovador e é profundamente autoritário.
BF - A saída de Plinio Arruda Sampaio do PT foi acertada?
Marilena - Ele poderia sair depois do processo eleitoral. Achei inconcebível que ele se retirasse antes. É preciso avaliar o quanto esta retirada prejudicou o Raul Pont, já que a diferença para o Berzoini foi mínima. E se o Plinio não tivesse saído, as chances de vitória seriam maiores.
BF - O PSOL é avanço ou retrocesso?
Marilena - Nem uma coisa, nem outra. O PSOL representa uma das tendências clássicas da esquerda brasileira, que é a política dos intelectuais. Na história política do Brasil, isso é uma constante como aquela idéia do Antonio Candido de que os intelectuais formam o partido do contra. Faz parte da tradição brasileira, e é importante que haja isso. Eu acho que os intelectuais devem se manifestar no contra e à esquerda. Mas o PSOL tem um problema adicional, que é a proposta de que ele, efetivamente, faça oposição. Só que, enquanto o PT fez um percurso no qual chegou, finalmente, à figura do político profissional, aos parlamentares, aos prefeitos, aos governadores, o PSOL já nasce com estes políticos profissionais, senador, deputado, com gente que faz parte do jogo.
BF - O governo Lula tem se mostrado fraco em decisão política. A senhora imagina que um eventual segundo mandato Lula seja mais firme? E como a senhora vê a iniciativa da Assembléia Popular?
Marilena - Do mesmo modo que eu não compartilho a concepção política da Articulação - que também é de uma grande parte da esquerda brasileira - eu nunca considerei que o PT tendo prefeituras, governos de Estado, chegando à Presidência, significasse mudança estrutural, porque isso seria abdicar do meu marxismo. Eu considero que ter um conjunto aguerrido de parlamentares, prefeituras como a da Luiza Erundina ou a primeira prefeitura do Olívio Dutra, são elementos que operam em duas direções. A primeira é um reforço e um estímulo à auto-organização, ao desenvolvimento, à ampliação e à participação dos movimentos sociais. A segunda, é assinalar para as classes populares, para a classe trabalhadora, para a grande massa da população brasileira que se pode, através da política institucional, realizar uma série de ações que garantam um mínimo de transformação das condições econômicas e sociais. E não mais do que isso. Ou seja, coloco tudo isso no campo do acúmulo de forças. É na luta social, é na luta política de participação como na Assembléia Popular, ou do MST, que a mudança virá.
BF - Como avalia as críticas ao governo Lula?
Marilena - O que me preocupou sempre, desde a posse, é que tanto a militância como a esquerda só tiveram dois comportamentos. Um foi dizer que “está tudo errado, é uma traição, não serve, vou romper, e já vou criticar no segundo dia”. Em um mês, Lula não conhecia nem quais eram os corredores pelos quais tinha que andar dentro daqueles prédios. Outra é a de que, uma vez que o PT está no governo, é ele que vai solucionar todos os problemas, e cada vez que não fizer isso, eu grito. Ao invés disso, o fundamental é que você incessantemente seja capaz de exigir, criticar, aceitar e trabalhar no convencimento de coisas que precisariam ser feitas e que foram feitas e, ao mesmo tempo, empurrar o governo para a realização deste mínimo e deste acúmulo de forças que ele tem de fazer. Mas não. O que eu vi foi a crítica radical e a apatia. E neste momento, com o enfraquecimento institucional do país, é que, de novo, os movimentos sociais e populares se deram conta do que significam, e de que têm de fazer esta retomada.
BF - Neste raciocínio, como viu a greve de fome de dom Cappio?
Marilena - Vi de longe, mas como fato político foi tão fundamental que houve até a tentativa da direita de dizer que estávamos de volta a Canudos.
BF - O que achou da declaração de Lula, no programa Roda Viva, de que “a imprensa brasileira é livre e democrática”? E que gostaria que Cuba fosse uma democracia igual à brasileira?
Marilena - Mesmo que essa declaração tenha sido estratégica, ela é inaceitável. Porque ele, como um líder político, que tem a história que tem, tem a obrigação, perante à sociedade brasileira, de explicar por que que a imprensa brasileira não é livre e nem democrática. É não cumprir o seu próprio papel histórico e político. Não dá, para um indivíduo com a história que o Lula tem, com o lugar que ele ocupa, fazer esta afirmação. Ele não tem o direito. E olha que eu defendo o Lula em tudo que posso.
BF - Foi antiético a Folha de S.Paulo publicar uma carta que a senhora tinha endereçado só aos seus alunos?
Marilena - Claro, mas eu não me surpreendo com nada. A Folha tem uma relação poético-literária comigo. Eu chamo a publicação da carta de momento shakespeariano. Como em Hamlet, o personagem não consegue dizer uma verdade para alguém, ninguém acredita. Então, ele monta um teatro dentro do teatro, e a verdade é dita. O Hamlet quer dizer à corte que o pai foi assassinado, que aquilo é uma usurpação, mas ninguém acredita porque já disseram que ele era maluco. Então, ele contrata uma trupe para representar a morte do pai perante a corte. Acho que alguém lá na Folha teve um instante hamletiano porque, ao publicar a carta, o que foi dito foi: “Tudo o que ela está dizendo é verdade, nós fazemos aqui um gesto de prova da verdade do que ela está dizendo com a publicação”.
BF - E no caso do manifesto de apoio a José Dirceu?
Marilena - Este foi o que chamo de um instante Alice no País das Maravilhas, do Lewis Carrol. A reportagem dava o nome de alguns intelectuais que tinham assinado, e realçava que não o tinham feito a Marilena Chauí e o Chico Buarque. Lembrei da Alice quando ela diz que tem 364 dias de “desaniversário”. Você não diz quem assinou o manifesto, destaca quem não o assinou.
BF - Por que especificamente a Folha tem esta relação de amor e ódio com a senhora?
Marilena - Não vou detalhar, porque não é o caso dizer qual é a causa de tudo isto. Depois que a poeira baixar, quando tudo estiver em ordem, eu contarei, nem que seja na minha autobiografia. Aliás, já está escrito por que que isto está sendo feito.
BF - Os movimentos sociais têm sido muito pacientes com este governo, que não assume posições firmes. Faz medida provisória liberando transgênico, mas não para desapropriar terras. Lula negocia para cá, para lá, tentando agradar a todos. O Estado tem de decidir. Na sua opinião, Lula se acovardou?
Marilena - Eu não faria uma avaliação quase de tipo psicológico, de que ele se acovardou. O que me pergunto é qual o grau de autonomia que este governo deu a si próprio. Acho que ele não se deu a autonomia que teria que ter. Quando você diz o Estado decide, acho que, muitas vezes, o Estado tem que negociar. Agora, isso é diferente de definir uma agenda autônoma. Ou seja, há determinadas questões e resoluções que o governo tem de tomar enquanto representante da esquerda e enquanto representante da própria história petista. Às vezes a atitude de Lula aparece como “ele não decide” ou “ele é fraco” ou “ele não toma conhecimento”. Mas não é isso. A cada passo, algo que pertence a uma agenda do PSDB, do PMDB, dos bancos, dos latifundiários, algo que pertence à agenda deles vem primeiro. Então, a agenda do governo é determinada fora dele, tanto que quando, por exemplo, você toma a política externa, ela é brilhante. Porque essa é a única que se define autonomamente.
BF - Então, este governo não tem projeto de sociedade?
Marilena - Ele tem projeto. Mas não toma todas decisões necessárias para implantá-lo. Por um lado, ele é tímido, e por outro lado, ele não é efetivamente de esquerda. Sobre o que vocês chamam de negociação, de conduta sindicalista. Uma posição à esquerda significa que o ponto de partida de sua reflexão, da sua análise, da sua prática é a divisão social das classes. É por aí que você pode pensar e agir de outra maneira. É neste marco da divisão social que o governo não pensa. A ação dele não está fundada na divisão social. Ele acha que é possível governar concedendo um pouco para cada uma das classes sociais, sem definir, portanto, o seu próprio perfil.
BF - Se este governo não é de esquerda e, ainda por cima, agrada às elites, por que elas vêm com esta ofensiva para cima dele?
Marilena - Ah, mas não são as elites. É o PSDB e o PFL. É uma questão eleitoral.
BF - Mas eles são a elite.
Marilena - Não dêem grandeza política, nem histórica a esta crise. Esta crise é a antecipação da disputa eleitoral. Ponto. Parágrafo. É disso que se trata. O Serra quer ser presidente da República. Como é que a crise se montou? Há um trabalho interessantíssimo do professor Sérgio Cardoso (do Departamento de Filosofia da USP) que diz que desde que o governo Lula foi montado, existiam três discursos separados de ataque ao governo: o discurso moral, que era o da classe média; o economicista, que era o da esquerda; e o pseudopolítico, que era o discurso do PSDB.
BF - E qual era o discurso do PSDB?
Marilena - O discurso pseudopolítico do PSDB é dizer que eles são “a gente séria, responsável e moderna que entende de política. Então, nós temos que ter o poder de volta, e faremos qualquer negócio, qualquer jogada para ter o poder de volta”. Esta crise, embora tenha inúmeros elementos reais, tem como causa conjuntural o jogo eleitoral do PSDB e do PFL. Nada mais do que isso.
BF - E onde entram as elites?
Marilena - É justamente porque as elites estão muito satisfeitas que o PSDB tem medo de não ter financiamento para a sua própria campanha. E se perguntam: “O que será de nós?”. Não é mais do que isso. É miudinho, como a “politiquinha” brasileira.
BF - Como viu o artigo que constata “a falência de Marilena Chauí”, escrito por um moleque de 28 anos, que vive nos EUA? Como a senhora vê o papel de gente como Roberto Mangabeira Unger?
Marilena - Pensei: puxa vida, a grandiosidade que me foi dada. Isso é formidável, é maravilhoso. Quanto ao Mangabeira Unger, ele é o mistério planetário. Uma vez, nos EUA, quando ele estava começando a aparecer com algumas coisas no Brasil, meu marido e eu fomos num desses lugares em que o Mangabeira dava aula. As pessoas estavam entusiasmadas, mas também diziam que ele era muito “piradão”. Aí, ele começou a escrever, veio, fez o programa do Brizola, depois se afastou, e se aproximou do PT. Eu lembro que quando alguns amigos me disseram que o Mangabeira Unger viria para o PT, para a campanha do Lula, eu disse: “Ichh”.
BF - A senhora não acha que os intelectuais e ativistas de esquerda no Brasil só deveriam, como a senhora, dar declarações exclusivas aos veículos de esquerda (Brasil de Fato, Caros Amigos, entre outros)?
Marilena - Concordo plenamente. A partir do instante em que você tem plena consciência do jogo econômico e do jogo político que está efetivamente envolvido com os meios de comunicação - e é por isso que eu não posso perdoar as palavras do presidente da República -, e que você não tem efetivamente a constituição de um espaço público, muito menos à esquerda, porque o que você tem é o interesse privado do mercado (...), você simplesmente aceita entrar num processo de servidão voluntária. E aceita ser um instrumento passivo como um arauto da negação do que você pensa e do que você quer. E mais do que ser instrumentalizado pelo adversário, é ser instrumentalizado na direção daquilo que você nega. É preciso aceitar que há divisão social, que há divisão de classes, e que a gente tem que tomar partido.
BF - A senhora acompanha o que está acontecendo com a América Latina e o governo de Hugo Chávez, na Venezuela?
Marilena - O Chávez é um gênio político porque ele soube aproveitar aquilo que lhe deu a possibilidade de fazer a mobilização popular e social, e ter o sustentáculo que ele tem, sabendo lidar com o petróleo que ele tem. Eu me lembro que assim que Lula tomou posse, houve a tentativa de deposição de Chávez, e o primeiro ato da política externa brasileira foi criticar veementemente o golpe. Aqui, houve cobrança de que o Lula fizesse como o Chávez, mas, no nosso caso, seria impossível. Lula não teria este cacife. Ele não tem petróleo para fazer isto. No nosso caso, seria uma aventura que terminaria em impeachment ali mesmo.
BF - E como a senhora avalia o que está acontecendo na França?
Marilena - Meu marido tem a mania sádica de ler em voz alta o que sai na Folha, no Estadão. Dias atrás, ele me disse que tínhamos “uma pérola”: Um jornalista escrevendo que o atual movimento francês era o “maio de 68 dos pobres” (silêncio). É inominável que um jornalista (Marcelo Coelho, da Folha) ouse falar uma coisa dessas, citando Proust, Bergson. É inacreditável. O movimento começa como um recado político ao ministério e ao próprio Chirac. O que ele envolve não é só a lógica própria do movimento social de recusa do que se passa. Por trás dele, há uma história pesadíssima de racismo, de exclusão social, de ‘guetização’, de perseguição que vem à tona. Num primeiro instante, o movimento se apresenta como a luta pelo desemprego, mas depois é a luta contra à sociedade francesa tal como ela está estruturada, e à política francesa como tal. Então, do ponto de vista do significado, ele tem um significado simbólico colossal porque é a cultura francesa que está posta em jogo, é a maneira pela qual o mundo francês está organizado. O protesto vai além da questão racial, econômica e social. Abrange um confronto muito mais poderoso. Meu receio é que o movimento francês fique num cinturão ‘guetizado’. Mas ele é colossal. O fato de a maioria dos manifestantes ser de uma terceira geração de imigrantes mostra a exclusão levada ao seu limite. Ainda mais quando o noticiário os chamam de imigrantes.
Quem éMarilena Chauí sempre é lembrada como a mais renomada filósofa do Brasil. Exemplo de intelectual engajada, a também professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP (FFLCH) teve participação ativa na concepção do Partido dos Trabalhadores, no início da década de 1980. Anos depois, foi Secretária Municipal de Cultura de São Paulo, na gestão Luiza Erundina (1989-1992). Suas áreas de especialização são História da Filosofia Moderna e Filosofia Política. Convite à Filosofia, de 1994, é o seu livro mais popular. Marilena também desenvolve trabalhos sobre ideologia, cultura e universidade pública.

sábado, 26 de novembro de 2005

JUREMIR MACHADO

É um grande gaúcho concordo com as suas observações, realmente somos perseguidos por alguns ídolos de barro, no qual alguns brasileiros insistem em cultuar, independente do tempo e das circunstâncias.

MANIA DE PERSEGUIÇÃO



Juremir Machado da Silva
MANIA DE PERSEGUIÇÃO
Estou sendo perseguido. Implacavelmente. Sou paranóico. Mas os paranóicos também têm inimigos. Sempre cito essa frase de Ricardo Piglia. Ela também me persegue. Acontece que a situação se tornou insuportável. Não consigo escapar. Estou encurralado. Faço o impossível para me livrar de Chico Buarque, Jô Soares, Arnaldo Jabor, Luis Fernando Verissimo e Caetano Veloso. Escrevo contra eles. Ironizo, chuto o balde, tento difamá-los. Não dou trégua. Quando penso que todo mundo entendeu, recomeça tudo.
Retorna o pesadelo. Já vem alguém tentando me dar um presente legal, fashion, sofisticado: um livro do Jô (o pessoal fala assim, sem o sobrenome, ou um livro do Gordo); um CD do Chico (também sem o sobrenome); as crônicas do Jabor (assim, sem o nome); um disco do Caetano; as obras completas do Verissimo. Pelo amor de Deus, não me dêem nada disso. Quero sabonetes, cuecas, canetas, água de colônia, espuma de barba, até um CD do Ivan Lins ou uma coletânea de músicas do Nando Reis. Basta de Chico, Caetano, Verissimo, Jabor e Jô. Sou invejoso, ressentido e ciumento. Quero distância desses ícones da classe média auto-satisfeita.
Outro dia, alguém tentou me dar a obra completa do Chico Buarque em DVD. Que horror! O que eu ia fazer com um troço desses? O cara é um cantor. Eu ia passar as noites no sofá olhando para ele na telinha com ar apaixonado de balzaquiana saudosa de 1968? Definitivamente, Chico Buarque é o Felipe Dylon das quarentonas. Todos os dias, encontro uma mulher chique que diz com ar de profunda originalidade: 'O Chico é um charme'. Ou um marmanjo metido a intelectual que exclama: 'Como esse Gordo é inteligente!' Não posso mais tomar café em paz. Sempre tem alguém para me perguntar: 'Leste o Jabor?' Não, eu não leio o Jabor.
Sou um cara original, autêntico, único, com estilo e atitude: ouço Gildo de Freitas, José Mendes, Leonard Cohen, Joss Stone, Jorge Drexler, Franz Ferdinand, Gaúcho da Fronteira e Cachorro Grande. Leio Michel Houellebecq, Paul Auster, Maurice Dantec, o Diário Gaúcho, Veja, o escambau. Fujo como o diabo da cruz da literatice de Jô Soares, Chico Buarque, Arnaldo Jabor e cia. Chamo isso de evasão de divisas, transferência de capital simbólico indevidamente de uma rubrica para outra. Mas não tem jeito. Eles me perseguem. Não passo uma semana sem ouvir um 'Chico é Chico', 'Caetano falou', 'sabe a última do Verissimo?', 'ah, esse Gordo!' ou 'o Jabor disse uma ótima...'.
Pior que isso só ouvir elogios aos irmãos Caruso. Sou contra os ídolos. Queria estar no lugar deles. Ganhar R$ 100 mil de cachê literário em Passo Fundo. Morro de raiva do sucesso que fazem. Pronto. Admiti. Agora, por favor, me deixem em paz. Não tentem me presentear com nada disso. Prefiro não ganhar presente. Se for obrigatório, aceito uma gravata. Não uso gravatas. Mas não é um mau presente. Neutro. Sem conteúdo. Até parece livro mais vendido na Feira de Porto Alegre. Uma beleza. A imaginação dos brasileiros mais inconformistas e intelectualizados nunca vai além dessas cinco celebridades. No Rio Grande do Sul, as variações são ainda mais assustadoras. Incluem Vitor Ramil e Jorge Furtado. Já não sei onde me esconder para escapar do brilho intenso dos nossos ídolos refulgentes.
A perseguição é tanta que, numa dessas, resolvi me trancar em casa. Fechei tudo. Desliguei a televisão. Mergulhei na minha biblioteca selecionada, à prova de ídolos brasileiros da classe média fashion. Detesto tudo o que é considerado fashion. Acho brega. Sou do contra. Adoro o trash. Só vejo a novela das oito, a Marília Gabriela, o Faustão e o Inter.
Encerrado, experimentei algumas horas de sossego. Fiz do meu apartamento um bunker. Não deixo entrar ninguém que me fale de Chico, Jô, Verissimo, Caetano e Jabor. Estou obcecado. Não agüento mais a perseguição. Mas, como estava dizendo, barriquei a minha porta. Que alívio!
Depois de três horas, porém, senti fome. Não havia o que comer na geladeira. Pedi uma pizza por telefone. Fiquei lendo Schopenhauer e Finnegans Wake enquanto esperava. E ouvindo o Porca Véia. Uma hora após, tocou o interfone. Mandei subir. O motoboy me alcançou a pizza. Fui buscar o dinheiro em cima da mesinha. Aí ele falou assim: 'Pô, tio, tô precisando ganhar algum a mais, a coisa tá feia. Não quer comprar um CD pirata? Tenho todinhos os do Chico...'.
E-mail: juremir@correiodopovo.com.br
Correio do Povo Porto Alegre - RS - Brasil

segunda-feira, 21 de novembro de 2005

O PECADO DO CAPITALISMO


O pecado maior do capitalismo: o risco do ecocídio e do biocídio

O capitalismo é um modo de produção social e uma cultura. Como modo de produção destruíu o sentido originário de economia que desde os clássicos gregos até o século XVIII significava a técnica e a arte de satisfazer as necessidades da oikos, Quer dizer, a economia tinha por objetivo atender satisfatoriamente as carências da casa, que tanto podia ser a moradia mesma, a cidade, o pais quanto a casa comum, a Terra. Com sua implantação progressiva a partir do século XVII do sistema do capital - a expressão capitalismo não era usada por Marx mas foi introduzida por Werner Sombart 1902 - muda-se a natureza da economia. A partir de agora ela representa uma refinada e brutal técnica de criação de riqueza por si mesma, desvinculada do oikos, da referência à casa. Antes pelo contrário, destruindo a casa em todas as suas modalidades. E a riqueza que se quer acumular é menos para ser desfrutada do que para gerar mais riqueza numa lógica desenfreada e, no termo, absurda.
A lógica do capital é essa: produzir acumulação mediante a exploração. Primeiro, exploração da força de trabalho das pessoas, em seguida a dominação das classes, depois o submetimento dos povos e, por fim, a pilhagem da natureza. Fuciona aqui uma única lógica linear e férrea que a tudo envolve e que hoje ganhou uma dimensão planetária.
Uma análise mesmo superficial entre ecologia e capitalismo identifica uma contradição básica. Onde impera a prática capitalista se envia ao exílio ou ao limbo a preocupação ecológica. Ecologia e capitalismo se negam frontalmente. Não há acordo possível. Se, apesar disso, a lógica do capital assume o discurso ecológico ou é para fazer ganhos com ele, ou para espiritualizá-lo e assim esvaziá-lo ou simplesmente para impossibilitá-lo e, portanto, destrui-lo. O capitalismo não apenas quer dominar a natureza. Quer mais, visa arrancar tudo dela. Portanto se propõe depredá-la.
Hoje, pela unificação do espaço econômico mundial nos moldes capitalistas, o saque sistemático do processo industrialista contra natureza e contra a humanidade torna o capitalismo claramente incompatível com a vida. A aventura da espécie homo sapiens e demens é posta em sério risco. Portanto, o arqui-inimigo da humanidade, da vida e do futuro é o sistema do capital com a cultura que o acompanha.
Coloca-se assim um bifurcação: ou o capitalismo triunfa ao ocupar todos os espaços como pretende e então acaba com a ecologia e assim põe em risco o sistema-Terra ou triunfa a ecologia e destrói o capitalismo ou o submete a tais transformações e reconversões que não possa mais ser reconhecível como tal. Desta vez não há uma arca de Noé que salve a alguns e deixe perecer os outros. Ou nos salvamos todos ou pereceremos todos.
Esta é a singularidade de nosso tempo e a urgência das reflexões e dos alarmes que aqui são partilhados.
Dizíamos que o capitalismo produziu ainda uma cultura, derivada de seu modo de produção assentado na exploração e na pilhagem.. Toda cultura cria o ämbito das evidências cotidianas, das convicções inquestionáveis e, como tal, gesta uma subjetividade coletiva adequada a ela. Sem uma cultura capitalista que veicula as mil razões justificadoras da ordem do capital, o capitalismo não sobreviveria. A cultura capitalista exalta o valor do indivíduo, garante a ele a apropriação privada da riqueza, feita pelo trabalho de todos, coloca como mola de seu dinamismo a concorrência de todos contra todos, visa maximalizar os ganhos com o mínimo de investimento possível, procura transformar tudo em mercadoria, desde a mística, o sexo até o lazer para ter sempre benefícios e ainda instaura o mercado, hoje mundializado, como o mecanismo articulador de todos os produtos e de todos os recursos produtivos.
Se alguém buscar solidariedade, respeito às alteridades, com-paixão e veneração face à vida e ao mistério do mundo não os busque na cultura do capital. Errou de endereço, pois ai encontra tudo ao contrário. George Soros, um dos maiores especuladores das finanças mundiais e profundo conhecedor da lógica da acumulação sem piedade (ele vive disso), afirma claramente que o capitalismo mundialmente integrado ameaça a todos os valores societários e democráticos., pondo em risco o futuro das sociedades humanas. Essa é, segundo ele, a crise do capitalismo que exige urgente solução para não irmos ao encontro do pior(1).
Queremos mostrar como o capitalismo, como modo de produção e como cultura, inviabiliza a ecologia tanto ambiental, quanto social. Deixado à lógica de sua voracidade, pode cometer o crime da ecocídio, do biocídio e, no limite, do geocídio. Razão suficiente para os humanos que amam a vida e que querem herdar aos seus filhos e netos uma casa comum habitável se oporem sistematicamente às suas pretensões.
1.Capitalismo e destruição da ecologia Comecemos com a ecologia ambiental e sua referência à lógica do capital. A esse respeito, os cenários acerca do futuro da Terra, na perspectica do meio-ambiente e da qualidade de vida, são dramáticos. Grandes analistas confessam que o tempo atual se assemelha muito às épocas de grande ruptura no processo da evolução, épocas caracterizadas por extinções em massa(2). Efetivamente, a humanidade se encontra diante de uma situação inaudita. Deve decidir se quer continuar a viver ou se escolhe sua própria auto-destruição
O risco não vem de alguma ameaça cósmica mas da própria atividade humana. Pela primeira vez no processo conhecido de hominização--, o ser humano se deu os instrumentos de sua própria destruição. Criou-se o princípio de auto-destruição que tem no princípio de responsabilidade sua contrapartida. De agora em diante a existência da biosfera estará à mercê da decisão humana. Para continuar a viver o ser humano deverá positivamente querê-lo.
Os indicadores são alarmantes. Deixam transparecer pouco tempo para as mudanças necessárias. Estimativas otimistas estabelecem a data-limite o ano 2030-2034 (3). A partir daí, caso não se tomarem medidas urgentes e eficazes, a sustentabilidade do sistema-Terra não estará mais garantida.
Precisamos mais do que nunca de sabedoria. Sabedoria, para priorizar as ações concertadas que visem a sustentabilidade da Terra como planeta.
Entre outros, três são os nós problemáticos (3), criados pela ordem do capital, que devem ser desatados: o nó da exaustão dos recursos naturais, o nó da sustentabilidade da Terra e o nó da injustiça social mundial. Vamos por partes.
a) O nó da exaustão dos recursos naturais Já há séculos, principalmente, embora não exclusivamente, sob o modo de produção capitalista, a Terra vem sendo sistematicamente depredada. A cada dia desparecem para sempre 10 espécies de seres vivos. Desde o tempo do desparecimento dos dinossauros 65 milhões de anos atrás nunca se viu tão rápida dizimação. Com eles some para sempre uma biblioteca de conhecimentos que a própria natureza sabiamente havia acumulado.
A partir de l972 a desertificação no mundo cresceu igual ao tamanho de todas as terras cultivadas da China e da Nigéria juntas. Perdeu-se cerca de 480 milhões de toneladas de solo fértil, o equivalente às terras agricultáveis da India e da França combinadas. 65% das terras, um dia cultiváveis, já não o são. A irrigação extensiva associada à utilização de substâncias químicas leva à salinização das águas por não terem tempo de refazer os nutrientes perdidos.
Metade das florestas existentes no mundo em l950 foram abatidas. Somente nos últimos 30 anos foram derrubados 600 mil km2 da floresta amazônica brasileira, o equivalente à Alemanha unida ou a duas vezes o Zaire.
Os imensos reservatórios naturais de água, formados ao longo de milhões e milhões de anos, foram neste século sistematicamente bombeados e estão próximos à exaustão. Nos inícios do próximo milênio, a água potável será um dos recursos naturais mais escassos. Far-se-ão guerras para garantir o acesso às fontes de água potável.
O petróleo e o carvão, formados ao longo de 100 milhões de anos e depositados nas profundezas da Terra ter-se-ão exaurido nos meados do próximo século. Tanto a água quanto o carbono foram sepultados cuidadosamente pela Terra para estabilizar seu clima. Agora foram trazidos à tona e devolvidos ao espaço com desequilíbrios que ainda não podemos adequadamente medir. Por volta do ano 2030 o cobre, a bauxita, o zinco, o fosfato e o cromato ter-se-ão extinquido quase totalmente.
Por detrás deste processo de pilhagem, se oculta uma imagem reducionista da Terra. Ela é vista apenas como um reservatório morto de recursos a serem explorados. Não é contemplada como um supersistema sutilmente articulado em sistemas e subsistemas onde rochas, águas, atmosferas, micro-organismos, planetas, animais e seres humanos formam um todo orgânico e dinâmico com relações de interdependência e de sinergia que garantem a subsistência de todos e de cada um. A Terra não é respeitada em sua alteridade e autonomia nem se lhe reconhece nenhuma sacralidade. Muito menos ainda é amada como um superorganismo vivo, a Grande Mãe dos antigos, a Pacha Mama de nossos indígenas e a Gaia dos modernos cosmólogos. A humanidade sempre entendeu a Terra como algo vivo. Somente nos últimos séculos, dentro da cultura do capital pilhador, foi vista como algo inerte, um conjunto desarticulado de solos (continentes) e água (oceanos, lagos e rios).
b) O nó da sustentabailidade da Terra Quanto de agressão aguenta a Terra sem perder seu equilíbrio interno e se desestruturar? Chuvas ácidas matam lagos e fazem mirrar as florestas. Dejetos químicos contaminam as fontes de água potável, os oceanos e envenenam os solos. Pesticidas entram na cadeia alimentar e afetam a saúde dos seres vivos e das gerações que virão. Lixo nuclear é especialmente perigoso. Muitas substâncias permanecem radioativas pelos próximos 100.000 anos. Não há no horizonte nenhuma tecnologia que nos possa proteger contra seus malefícios.
As 60 mil armas nucleares construidas, num contexto de guerra mundial, se explodidas, podem originar o inverno nuclear. As finas partículas de fumaça provenientes das grandes queimadas por elas produzidas, junto com os elementos radioativos injetados na atmosfera, obscureceriam e resfriariam a Terra de forma mais aguda que nas eras glaciais do pleistoceno. Haveria um colapso da humanidade e de todo o sistema de vida, consequências perversas sempre negligenciadas pelas potências militaristas. Atualmente corremos o risco de que grupos terroristas tenham acesso à tecnologia das bombas e coloquem a humanidade e a Terra em situação de xeque-mate.
Grande risco para a vida do planeta representa a destruição da camada de ozônio. Ela fica na estratosfera entre 30 a 50 km da superficie da Terra e, como escudo, protege a vida contra as irradiações ultravoletas que são letais para todos os organismos vivos. O esgarçamento desta camada de ozônio é provocado pelos clorofluorcarbonos (CFC). Quimicamente trata-se de um material inerte e inofensivo que entra como fluido nas geladeiras, no ar acondicionado, nos desodorantes spray, nos extintores e na produção de isopor. Entretanto, ao alcançar a camada de ozônio, os raios ultravioletas dividem as moléculas destes gases. O cloro liberado destrói o escudo de ozônio. Consequentemente todos os seres vivos ficam expostos aos raios ultravioletas. Estes produzem cancer de pele, catarata, debilitamento do sistema imunológico, distorções na ADN, danos à agricultura e à fotosíntese que responde pela cadeia alimentar de toda a Terra.
Outra ameaça importante é representada pelo aquecimento crescente da Terra, consequência do tipo de sociedade consumista de recursos que poluem. É o assim chamado efeito estufa. A queima de petróleo, de carvão e de florestas libera o dióxido de carbono. Este juntamente com outros gases como o metano, o fluor e o óxido de nitrogênio absorvem raios infravermelhos, formando uma espécie de estufa. Ela esquenta a atmosfera. No último século aumentou entre 0,3 e 0,6º C. o calor da Terra. Para os próximos 100 anos calcula-se um aumento de 1,5 º C a 5,5º C. Tais mudanças provocarão desastres descomunais como secas e o degelo das calotas polares. As inundações das costas marítimas, onde vivem 60% da população mundial, causariam milhões de emigrados e de vítimas. Muitas espécies de seres vivos não se adaptariam e morreriam. Temos um exemplo no poderoso efeito estufa de Vênus, revelado pela nave espacial soviética Venera. Ai se mostra sua superfície toda crespada pelo calor. O efeito estufa da Terra não poderia ter consequências semelhantes? Os pesquisadores já há tempos nos advertem acerca desta eventualidade.
Que suportabilidade possui a Terra face a tantas agressões produzidas primordialmente pelo modo de produção capitalista? Ao longo do processo de sua formação, onde se verificaram imensas dizimações de espécies (na ordem de 80-90% no período cambriano há 570 milhões de anos), nosso planeta mostrou grande capacidade de resistência e regeneração. Agora, entretanto, teme-se que o efeito acumulativo das agressões chegue a um ponto crítico tal que quebre o equilíbrio físico-químico-biológico da Terra. Imensas catástrofes afetariam a biosfera e dizimariam milhões de seres humanos(5).
c) O nó da injustiça social mundialPor fim, passemos à ecologia social: quanto de injustiça e violência aguenta o espírito humano? É injuto e sem piedade que, na atual ordem do capital mundializado, 20% da humanidade detenha 83% dos meios de vida (em l970 eram 70%) e os 20% mais pobres tenham que se contentar com apenas l,4% (em l960 era 2,3%) dos recursos. É injusto e cruel manter um bilhão de pessoas na extrema pobreza. É injusto e perverso deixar morrer anualmente 40 milhões de pessoas estritamente de fome. É injusto, perverso, cruel e sem piedade tolerar que l4 milhões de crianças morram anualmente antes de completar cinco dias de vida.
Este cataclisma social não é inocente nem natural. É resultado direto de uma forma de organização econômico-política e social que privilegia uns poucos à custa da exploração e da miséria das grandes maiorias. Projetou-se um tipo de desenvolvimento sem medir as consequências sobre a natureza e sobre as relações sociais. Ele é altamente predatório e iniquo. Por isso constitui uma armadilha do sistema capitalista o assim chamado desenvolvimento sustentável.
Quando analisado, ele representa uma contradição nos termos. A categoria desenvolvimento é tirada da área da economia, por suposto, daquela imperante, a capitalista. O desenvolvimento capitalista, na verdade, deveríamos dizer, crescimento, apresenta-se profundamente desigual. Por um lado cria acumulação apropriada por uns poucos à custa da exploração e do prejuizo das grandes maiorias. Esse crescimento pretende ser linear e sempre crescente.
A categoria sustentabilidade provém de outro âmbito, da biologia e da ecologia. Sustentabilidade significa aqui a capacidade que um ecosistema possui de incluir a todos, de manter um equilíbrio dinâmico que permita a subsistência da maior biodiversidade possível. Mais que um processo linear, trata-se de um processo complexo, circular, de inter-retro-dependências, sem explorar ou marginalizar ninguém.
Como se depreende, sustentabilidade e desenvolvimento capitalista se negam mutuamente; não é uma expressão que componha os interesses da produção humana com os interesses da conservação ecológica; antes pelo contrário, os nega e os destrói. O que se precisa é uma sociedade sustentável que se dá a si o desenvolvimento que precisa para satisfazer adequadamente as necessidades de todos, também do entorno biótico. O que se demanda é um planeta sustentável que possa manter seu equilíbrio dinâmico, refazer suas perdas e manter-se aberto a ulteriores formas de desenvolvimento.
Se bem repararmos, o sistema do capital se mantém pelo medo. Para se perpetuar, recorre permanentemente à violência econômica. Quando preciso, também à agressão militar. Por isso a cada minuto destina um milhão e 800 mil dólares para armas de morte. Cobra ao grande Sul, a cada dois dias, cerca de l80.000 a 200.000 pessoas, sacrificadas no altar do deus Mamona (mercado mundial), como se sobre ele se lançasse, de dois em dois dias, uma bomba atômica como em l945 sobre Hieroshima-Nagasaki(6).
O efeito perverso é inegável: a grande maioria da humanidade não tem sustentabilidade. Vive diariamente uma catástrofe. Tal violência configura uma agressão à Terra, pois os seres humanos são a própria Terra em sua dimensão consciente e inteligente. A injustiça social se mostra, assim, como uma injustiça ecológica.
Voltamos a perguntar: quanto de violência a Terra pode ainda tolerar sem quebrar-se como sistema? Além de termos sido no passado suicidas, homicidas e etnocidas começamos agora a ser ecocidas. O sistema do capital não nos levará a sermos no futuro não muito distante também geocidas?
2. Ou mudamos ou nos destruiremosAlcançamos nos dias atuais um ponto em que as virtualidades do nosso paradigma civilizacional, de perfil capitalista, não conseguem dar conta dos nós problemáticos acima apontados. Pelo contrário: dramatizam ainda mais a situação e aceleram as forças destrutivas.
Entretanto, há sinais de esperança. Já a partir dos inícios deste século, o paradigma moderno começou, teoricamente, a ser erodido pela física quântica, pela teoria da relatividade, pela nova biologia, pela ecologia e pela filosofia crítica. Estava surgindo então um novo paradigma. Ele tem um caráter contrário àquele capitalista; é holístico, sistêmico, inclusivo, pan-relacional e espiritual. Entende o universo não como uma coisa ou juxtaposição de coisas e objetos. Mas como um sujeito no qual tudo tem a ver com tudo, em todos os pontos, em todas as circunstâncias e em todas as direções, gerando uma imensa solidariedade cósmica(7). Cada ser depende do outro, sustenta o outro, participa do desenvolvimento do outro, comungando de uma mesma origem, de uma mesma aventura e de um mesmo destino comum.
O universo (desde as energias mais originárias e as partículas mais elementares até a mente humana) constitui uma comunidade de sujeitos, pois todos os seus componentes (o próprio universo como um todo orgânico), vêm caracterizados por aquilo que constitui um sujeito: a interatividade, a historicidade, a interioridade e a intencionalidade. Ele está inserido num imenso processo evolutivo, auto-criativo e auto-organizativo que se manifesta de muitas formas, seja como matéria e energia, seja como informação e complexidade, seja como consciência e interioridade.
Ao invés de ser um universo atomístico, composto de partículas discretas - universo cuja complexidade cabe ser quebrada em componentes menores e mais simples - agora este universo é considerado como um todo relacional, inter-retro-conectado com tudo e maior que a soma de suas partes. A natureza da matéria, quando analisada com mais profundidade, não aparece como estática e morta, mas como uma dança de energias e de relações para todas as direções. A Terra não é mais vista como um conglomerado de matéria inerte (os continentes) e água (os oceanos, lagos e rios) mas como um superorganismo vivo, Gaia (8), articulando todos os elementos, as rochas, a atmosfera, os seres vivos e a consciência num todo orgânico, dinâmico, irradiante e cheio de propósito, parte de um todo ainda maior que nos inclui: o universo em cosmogênese, em expansão e perpassado de consciência (9).
Esta visão fornece a base para uma nova esperança, para uma sabedoria mais alta e para um projeto civilizacional alternativo àquele dominante hoje, o do capitalismo mundialmente integrado. Ela nos permite passar do sentimento de perda e de ameaça, que o cenário atual nos provoca ao sentimento de pertença, de promessa e de um futuro melhor.
Quatro eixos dão consistência ao novo paradigma, que se distancia enormemente do capitalismo: a busca da sustentabilidade ecológica e econômica, baseada numa nova aliança de fraternidade/sororidade para com a natureza e entre os seres humanos; a acolhida da diversidade biológica e cultural, fundada na preservação e no respeito a todas as diferenças e no desenvolvimento de todas as culturas; o incentivo à participação nas relações sociais e nas formas de governo, inspiradas na democracia entendida como valor universal a ser vivido em todas as instâncias (família, escola, sindicatos, igrejas, movimentos de base, nas fábricas e nos aparelhos de estado) e com todo o povo; o cultivo da espiritualidade como expressão da profundidade humana, que se sente parte do todo, capaz de valores, de solidariedade, de compaixão e de diálogo com a Fonte originária de todos os seres.
Este novo paradigma não é ainda hegemônico. Perdura vastamente ainda aquele da modernidade burguesa e capitalista, atomístico, mecânico, determinístico e dualista, apesar de sua refutação teórica e prática. Perdura porque é funcional aos propósitos das classes dominantes mundiais. Elas mantém o povo e até pessoas de formação elevada na ignorância acerca da nova visão do mundo. Continua a impôr um sistema global cujos frutos maiores são a dominação, a exclusão e a destruição.
Mas a crise ecológica mundial e o curto prazo que dispomos para as mudanças necessárias conferem atualidade e vigor ao novo paradigma. Ele é subversivo para a ordem vigente. Precisamos de uma nova revolução, uma revolução civilizacional. Ela será de natureza diversa daquelas nascidas a partir da revolução do neolítico, especialmente daquela propiciada pela cultura do capital. Terá por base e inspiração a nova cosmologia.
Mas para isso, temos que mudar nossa forma de pensar, de sentir, de avaliar e de agir. Dentro do sistema do capital não há salvação para as grandes maiorias da humanidade, para os ecosistemas e para o planeta Terra. Devemos ter mais sabedoria que poder, mais veneração que saber, mais humildade que arrogância, mais vontade de sinergia que de auto-afirmação, mais vontade de dizer nós do que dizer eu como o faz sistematicamente a cultura do capital. Por estas atitudes os seres humanos poderão se salvar e salvar o seu belo e radiante Planeta.
Esposamos a idéia de que estamos na crise de parto, do nascimento de um novo patamar de hominização. Podemos, sim, nos destruir. Criamos para isso a máquina de morte. Mas ela pode ser sustada e transformada. O mesmo foguete gigante que transporta ogivas atômicas, pode ser usado para trocar a rota de asteroides ameaçadores da Terra. É a hora de darmos o salto de qualidade e inaugurarmos uma aliança nova com a Terra. A chance está criada. Depende de nós sua realização feliz ou o seu inteiro fracasso. Desta vez não nos é permitido nem protelar nem errar de objetivo.
Rejeitamos a idéia de que os 4,5 bilhões de anos de formação da Terra tenham servido a sua destruição. As crises e o sofrimento se ordenam a uma grande aurora. Ninguém poderá detê-la. Uma nova revolução civilizacional está por nascer e já dá os primeiros vagidos. De uma época de mudança passamos à mudança de época.
3. Que sonhos nos orientam?Uma nova civilização surge quando se encontram respostas concretas às seguintes demandas, deixadas de lado pela ordem capitalista: Que utopias nos abrem o futuro? Que valores novos dão sentido à nossa vida pessoal e social? Que práticas novas mudam as relações sociais? Que cuidado desenvolvemos para com a natureza e que benevolência e compaixão suscitamos para com todos os seres da criação? Que novas tecnologias utilizamos que não neguem a poesia e a gratuidade? Que fraternidade e sororidade estabelecemos entre todos os povos e culturas? Que nome damos ao Mistério que nos circunda e com que simbolos, festas e danças o celebramos? Numa palavra: quais são os sonhos que nos dão esperança?
Os sonhos são da maior importância. Morrem as ideologias e envelhecem as filosofias. Mas os sonhos permanecem. São eles o húmus que permite continuamente projetar novas formas de convivência social e de relação para com a natureza. Com acerto escrevia o cacique pele vermelha Seattle, ao governador Stevens, do Estado de Washington em l856, quando este forçou a venda das terras indígenas aos colonizadores europeus. O cacique, com razão, não entendia por que se queria comprar a terra, a aragem, o verde das plantas e o esplendor da paisagem. Neste contexto refletia que os peles vermelhas compreenderiam o por quê e a civilização dos brancos "se conhecessem os sonhos do homem branco, se soubessem quais as esperanças que transmite a seus filhos e filhas nas longas noites de inverno e quais as visões de futuro que oferece para o dia de amanhã" (10).
Qual é o nosso sonho? Que esperança transmitimos aos jovens? Que visões de futuro ocupam as mentes e o imaginário coletivo através das escolas, dos meios de comunicação e de nossa capacidade de criar valores?
As respostas a estas indagações geram um novo padrão civilizatório, radicalmente diferente daqule capitalístico. Descendo ao concreto do dia-a-dia, face às transformações que atingem os fundamentos de nossa civilização atual indagamos: Quais são os atores sociais que propõem um novo sonho histórico e desenham um novo horizonte de esperança?
Quem são os sujeitos coletivos gestadores da nova civilização? Sem detalharmos a resposta podemos dizer que eles se encontram em todas as culturas e em todos os quadrantes da Terra. Eles irrompem de todos os estratos sociais e de todas as tradições espirituais. Eles estão em todas as partes. Mas principalmente são os que se sentem insatisfeitos com o atual modo de viver, de trabalhar, de sofrer, de se alegrar e de morrer, em particular, os excluidos, oprimidos e marginalizados. São aqueles que, mesmo dando pequenos passos, ensaiam um comportamento alternativo e enunciam pensamentos criadores. São ainda aqueles que ousam organizar-se ao redor de certas buscas, de certos níveis de consciência, de certos valores, de certas práticas e de certos sonhos, de certa veneração do Mistério e juntos começam a criar visões e convicções que irradiam uma nova vitalidade em tudo o que pensam, projetam, fazem e celebram.
Por tais sendeiros desponta a nova civilização que será de agora em diante não mais regional mas coletiva e planetária, e, esperamos, que signifique a superação histórica do capitalismo e, por isso, mais solidária, mais ecológica, mais integradora e mais espiritual.
4. A civilização da re-ligaçãoQue nome vamos dar ao novo que está emergindo? Ensaiamos uma resposta: será uma civilização mais sintonizada com a lei fundamental do universo que é a panrelacionalidade, a sinergia e a complementariedade, valores sistematicamente negados pela cultura do capital. Será, numa palavra, a civilização da re-ligação de tudo com tudo e de todos com todos (11). Por isso será uma civilização que dará centralidade à re-ligião, não simplesmente como uma instituição consagrada, mas como aquela instância que se propõe a re-ligar todas as coisas entre si porque as vê re-ligadas ubilicalmente à Fonte de todo ser. Esta civilização será re-ligiosa ou não será. Pouco importa o tipo de religião, ocidental, oriental, antiga, moderna. Com tanto que seja aquela experiência radical que consiga re-ligar todas as coisas e gestar um sentido de totalidade e de integração. Então poderá surgir a civilização da etapa planetária, da sociedade terrenal, a primeira civilização da humanidade como humanidade.
Sentir-nos-emos todos enredados numa mesma consciência coletiva, numa mesma responsabilidade comum, dentro de uma mesma e única arca de Noé que é a nave espacial azul-branca, a Terra. Esta nova civilização não é apenas um desiderato e um sonho ridente. Ela está em curso. Queremos apenas nos deter num poderoso sinal: a mundialização e a globalização .
Trata-se de um processo irreversível. Representa indiscutivelmente uma etapa nova na história da Terra e do ser humano. Estamos rumando para a constituição de uma única sociedade-mundo, uma república global, que mais e mais demanda uma gestão central para as questões que interessam a todos os humanos como a alimentação, a saúde, a moradia, a educação a comunicação, a paz e a salvaguarda da Terra.
É verdade que estamos ainda na idade de ferro deste processo(12). É a fase da globalização competitiva que não inaugurou ainda a globalização cooperativa, pois ela se realiza sob o signo do econômico de molde capitalista, portanto, com contradições e conflitos provocados pela concorrência, pela vontade de acumulação desenfreada, de lucro a qualquer preço e pela luta de classes a nivel mundial. Este modo de produção, hoje mundialmente articulado, transforma tudo em mercadoria, do gene humano à informação, do sexo à mística. A mercadoria, pela habilidade do marketing, vira um fetiche para induzir ao consumo e visar o lucro(13).
Precisamos de uma outra economia que se estruture ao redor da produção do suficiente para todos, seres humanos e demais seres vivos da criação. A economia imperante, do crescimento crescente e linear, faz violência à Terra e é parcamente participativa e, por isso, injusta. Mas somente se alcançará esta nova economia política caso predominar uma outra escala de valores. Ao invés do egoismo pessoal e coletivo, do lucro individual e empresarial deve prevalecer a solidariedade, a participação e a parceria. No modelo vigente de concorrência e de triunfo do mais forte, somente um lado ganha. Todos os outros perdem. No novo modelo sonhado e possível, todos ganham e ninguém perde, também ninguém é vítima de exclusão porque tudo será estruturado ao redor da vida, da sinergia e da cooperação. Então, sim, teremos a globalização cooperativa e sociedades nas quais todos podem caber.
Mas, quer queiramos ou não, está já se anunciando o dia em que a mundialização não será só econômica. Far-se-á também sob o signo da ética (14), do senso da com-paixão universal, da descoberta da família humana e das pessoas dos mais diferentes povos, como sujeitos de direitos incondicionais, direitos que não dependem do dinheiro que temos no bolso, nem da cor de nossa pela, nem da religião que professamos nem do time de futebol para o qual torcemos. Estaremos todos sob o mesmo arco-iris da solidariedade, do respeito e valorização das diferenças e movidos pela amorização que nos faz a todos irmãos e irmãs. Será a era ecozóica como alguns já o formularam.
Far-se-á também na esfera da política que deverá reconstruir as relações de poder, não mais na forma de dominação/exploração sobre as pessoas e a natureza, mas na forma da mutualidade biofílica (=reciprocidade entre os seres vivos) e da colaboração entre todos os povos, base para a convivência coletiva em justiça, em paz e em aliança fraternal/sororal com a natureza. Ela deverá se organizar ao redor de uma meta comum: garantir o futuro do sistema-Terra, e as condições para o ser humano poder continuar a viver e a se desenvolver como já vem fazendo há cerca de oito milhões de anos(15).
Por fim haverá uma mundialização da experiência do Espírito no cultivo das energias espirituais que pervadem o universo, trabalham a profundidade humana e das culturas e reforçam a sinergia, a solidariedade, o amor à vida a partir dos mais ameaçados e a veneração do Mistério inefável que tudo gera, tudo perpassa e tudo sustenta.
Estamos diante de um experimento sem precedentes na história da humanidade. O futuro, para tornar-se presente, não poderá ser a continuação do pessado, nem uma nova expressão da cultura do capital. Este nos conduziria ao destino dos dinossauros que abruptamente desaparecerram.
Essa é a grande lição que devemos tirar: Ou mudamos ou perecemos. Ou trilhamos o caminho de Emaus da partilha e da hospitalidade para com todos os habitantes da nave-espacial Terra ou então experimentaremos o caminho da Babilônia, da tribulação da desolação. Desta vez não nos é permitida a ilusão acerca da gravidade da situação atual.
Entretanto, vigora uma inarredável esperança. Desde que surgiram os vertebrados há 570 milhões de anos e em sua sequência o homo sapiens e demens, a Terra conheceu l5 grandes dizimações nas quais seu capital biótico foi quase dizimado. Mas a vida sempre triunfou. Cada vez pôde refazer-se. Como numa espécie de vendetta da própria evolução, cresceu a biodiversidade. Essa lógica da seta do tempo evolucionário se mantém para a situação atual. Por isso mantemos fundada esperança de que a solidariedade triunfa sobre o individualismo capitalista e a vida se sobrepõe à morte, fazendo-a um momento transformador de sua própria dinâmica vital, como a evolução, em seu já longo caminhar, o comprova.
E chegaremos a uma etapa civilizatória a partir da qual olharemos para o passado capitalista como um momento sombrio da humanidade, esquecida de sua própria essência feita de relacionalidade, de cuidado, de enternecimento e de sentido de pertença a todos os seres e ao inteiro universo. Agora libertada deste pesadelo, ela poderá evoluir conjuntamente com os demais seres e dentro de processos sociais nos quais seja menos difícil expressarmos nossa veneração, nossa amizada e nosso amor.
Notas de rodapé1) Soros, G., A crise do capitalismo, Campus, Rio de Janeiro 1999, 262-269.
2) De Duve, Ch.,Vital Dust. Basic Books, N.Y. 1995 todo o capítulo 30 sobre o futuro da Vida.
3) Cf. Reuther, R.Rosemary, Gaia and God: An Ecofeminist Theology of Earth’s Healing, San Francisco:Harper San Francisco 1992, 86.
4) Os dados sobre a crise ecológico-social podem ser lidos em muitas fontes; veja por exemplo: Os Worldwatch Papers e o State of the World publicados desde l984 pelo Worldwatch Institute, Washington; Drewermann, E., Der tödliche Fortschritt, Regensburg 1997, capítulo I: Fatos que são sintomas; Lutzenberger, J.A., Fim do futuro? Editora Movimento, Porto Alegre l990; Hathaway, M.D., Transformative Education. Awaking Humanity to the Challange of the Global Crisis, Scarborough, Ontario 1993; Gudynas, E., La privataización de la vida: America Latina ante las nuevas políticas ambientales neoliberales, em Revista Pasos n.81(San José de Costa Rica) 1999, 1-15 e os PNUD (Programa da Nações Unidas para o Desenvolvimento) publicados anualmente pela ONU com os dados da situação social da Terra.
5) Ward, P., The End of Evolution, Bantam Book, New York1995.
6) Cf. Garaudy, R., Le débat du siècle, Paris l996, 7.
7) Para toda esta parte veja o clássico: Berry,Th. e Swimme B., The Universe Story: From the Primordial Flaring forth to the Ecozoic Era: a Celebration of the Unfolding of the Cosmos, San Francisco, Harper San Francisco 1992; Berry, Th., The Dream of the Earth, San Francisco, Sierra Club Books 1988; Zohar, D. e Marshal, I.,The quantum Society: Mind, Physics and a new social Vision, William Morrow and Campany, N.Y.,1994; Hawking, S., A Brief History of Time: from the Big Bang to the Black Holes, Bantam Books, New York 1988.
8) Cf. Lovelock, J., Gaia. A New Look at Natural History, Oxford 1997; Id., The Ages of Gaia: a Biography of our Living Earth, Norton, New York 1988; Sahtouris, E., Earth Dance: Living Systems in Evolution, New York 1996.
9) Veja a tese do conhecido físico quântico e seu grupo: Goswami, A. e Richard E. Reed e Maggie Goswami, The Self-aware Universe: How Counsciousness Creates the Material World, New York 1993.
10) O texto todo se encontra em Boff, L., Ecologia: grito da Terra, grito dos pobres, Atica, S.Paulo 1995,336-341, aqui 340.
11) Boff, L., O despertar da águia. O dia-bólico e o sim-bólico na construção da realidade, Vozes, Petrópolis 1998,34-39.
12) Morin, E., Terre-Patrie, Seuil, Paris, 1993.
13) Veja textos críticos da nova ordem do capital: Ramonet, I., Geopolítica do caos, Vozes, Petrópolis1998; Arrighi, G., A ilusão do desenvolvimento, Vozes, Petrópolis 1997; Kurz, R., Os últimos combates, Vozes, Petrópolis 1997; Wallerstein, I., El futuro de la civilización capitalista, Icaria, Antrazyt, Barcelona l997; Hinkelhammert, F.J., Cultura de la esperanza y sociedad sin exclusión, DEI, San José de Costa Rica 1995.
14) Boff, L., Ética da vida, Letraviva, Brasília 1999; Id., Saber cuidar; ética do humano-compaixão pela Terra, Vozes, Petrópolis 1999; Id., Ethische Herausforderungen der Globalisierung, Stiftung Mensch-Gesellschaft-Umwelt, Universität Basel 1998.
15) Cf. Ferry, L., A nova ordem ecológica. A árvore, o animal, o homem, Editora Ensaio, S. Paulo 1994; Schwarz,W. e D., Ecologia: alternativa para o futuro, Paz e Terra, Rio de Janeiro l990; Varios, L’écologie, ce matérialisme historique (Actuel Marx, n.l2), Presses Universitaires de France, Paris 1993; Mires, F., El discurso de la naturaleza: ecología y políitca en America Latina, DEI, San José de Costa Rica 1990; May, P. H.,- Motta, R. S., Valorando a natureza. Campus, Rio de Janeiro 1994.

domingo, 20 de novembro de 2005

Classificados para a Copa da Alemanha

Alemanha
Angola
Arábia Saudita
Argentina
Austrália
Brasil
Coréia do Sul
Costa do Marfim
Costa Rica
Croácia
Equador
Espanha
Estados Unidos
França
Gana
Holanda
Inglaterra
Irã
Itália
Japão
México
Paraguai
Polônia
Portugal
República Checa
Sérvia e Montenegro
Suécia
Suíça
Togo
Trinidad e Tobago
Ucrânia

DASPU

Uma nova grife
As moças que batalham à noite nos arredores da praça Tiradentes, no Rio, tiveram a ajuda de uma ONG escandinava para montar uma pequena confecção onde costurassem suas roupas de trabalho.
A grife das moças vai se chamar Daspu.

Chico no Sol


COMBATEREMOS AO SOL!
Chico Alencar
Publicado:
Jornal do Brasil
12/10/2005


A análise comparativa do governo Lula não deve ser feita com a mediocridade privatista da década Collor/FHC, mas com o programa mudancista apresentado em 2002, que conquistou a adesão de mais de 52 milhões de brasileiros. O atual governo não mudou a política econômica, ao contrário: reforçou sua ortodoxia e estabeleceu o superávit primário que hoje esteriliza R$ 80 bilhões/ano. O pagamento (jamais renegociado) de juros das dívidas financeiras corresponde, no Orçamento da União, em um mês, ao gasto anual com o SUS, e, em 15 dias, ao dispêndio anual com Educação! O Brasil, com a maior taxa de juros do planeta, continua sendo o paraíso dos banqueiros, dos especuladores, das 15 mil famílias rentistas. Para cada real destinado ao Bolsa-Família, R$ 15 vão para o pagamento de serviços da dívida. O governo Lula não logrou, por isso, firmar políticas estruturantes e reformistas na educação, no meio ambiente, na saúde, na habitação, na cultura, no desenvolvimento agrário e mesmo na assistência social, a despeito das valorosas equipes ministeriais que lá estiveram ou estão. Há um dique de contenção instalado na Fazenda, no Planejamento e no Banco Central, que impõe um viés conservador e continuísta ao governo, jogando fora, para nosso desespero, uma oportunidade histórica. A chamada “base aliada” cristalizou-se com partidos e lideranças de tradição fisiológica que operam na pequena política, e cobram cada vez mais por um apoio sempre frágil, vez que nunca cimentado no interesse público ou com amálgama ideológico. Decorrência do sistema político? Sim, mas sistema político que o governo não quis modificar, engavetando a reforma por exigência de seus parceiros reacionários, com quem muitos petistas sob investigação, e sequer submetidos à comissão de ética interna, mantêm estreitas relações. Para quem sempre ostentou com orgulho a estrela no peito, quanta frustração! É hora de aprender com o grande Apolônio de Carvalho: nunca perder a visão estratégica e manter, mesmo em tempos de desencanto, um otimismo visceral. O desafio é reconstruir uma unidade mínima para a esquerda, com o ideário da igualdade social forjando uma ampla frente antineoliberal. Ela deve incorporar propostas de reestruturação radical do Estado, soberania nacional e novo padrão de desenvolvimento econômico e social auto-sustentável, distribuidor de riqueza e renda. Assim, ousamos apostar no recém-criado – com o aval de 430 mil eleitores de todo o Brasil – Partido Socialismo e Liberdade, o PSOL. Ainda pouco conhecido, o PSOL é projeto em construção, propositivo, ideológico, sem grande visibilidade na teledemocracia em que vivemos. Trata-se, portanto, de disposição para moer no áspero, cientes das imensas dificuldades eleitorais, inclusive – o que tira a razão de quem, equivocadamente, possa ver algum “oportunismo” nessa escolha. Entendemos que o PSOL não deve ceder à tentação fácil de crescer por oposição e contraponto ao PT, de onde vieram seus principais quadros e sua entusiasmada militância. O partido, em fase de constituição, deve buscar filiações de quem, com generosidade, acredita sobretudo na elevação do nível de consciência política de nossa gente, hoje tão desiludida. São penosas as encruzilhadas da história. O “breve século XX” pontua a trajetória da esquerda mundial com ensaios e erros, poucas conquistas e muitas derrotas, que merecem reflexão atenta. E impuseram escolhas, sempre dramáticas, demandando despojamento e renúncias. Não partimos do zero, como um Sísifo que viu a pedra rolar morro abaixo e necessita começar tudo de novo. Não! É também nossa a herança da democracia direta, do orçamento participativo, do "modo petista" de legislar e governar, com transparência e controle social. Não deixaremos num imaginário museu das lutas populares as experiências de partido-pedagógico e partido-movimento. É de toda a esquerda brasileira a rica experiência do partido de Paulo Freire e Florestan Fernandes Seguimos buscando, humildemente, o caminho da plena libertação. Só a história dirá, mais à frente, quem tem razão.

Crescendo

Todos nós devemos continuamente estar buscando crescer e nos aperfeiçoarmos este tem sido o segredo dos homens a milhões de anos.

GIBIS

Gibis
Vereador Marcos Creminacio (PT), apresentou um projeto na Câmara para se que instalem gibitecas nas bibliotecas das escolas. O projeto foi aprovado por unanimidade. Sua justificativa ‘e de que gibis incentivam o habito pela leitura. Merece ser elogiado, porque ‘e algo diferente que aparece. Como sou um defensor da leitura (se pararem de ler perco o emprego) acho que todas as atitudes para incentivar essa pr’atica são validas.



Escrito por Frutuoso Oliveira às 17h54

vamos nos apropriar da tecnologia

As novas tecnologias estão no mundo para melhorar a vida dos homens

somos o que podemos ser

Somos o que podemos ser, e também o conjunto das nossa relações. Portanto cultive as suas relações.

VAMOS EM FRENTE

Os blogs estão incomodando muita gente que não contava com essa nova fonte de comunicação.

Estou achando fantástico o tal do blog não consigo ir dormir, é maravilhoso.